Senado começa a decidir se o Brasil é uma democracia
Nesta quinta-feira, começa a fase decisiva do julgamento da presidente Dilma Rousseff. Serão ouvidas testemunhas e ela própria irá ao Senado, na próxima segunda-feira 29, para se defender diante de 81 senadores e da História.
Como já apontaram juristas, historiadores, intelectuais e, mais recentemente um grupo de artistas e pensadores internacionais (saiba mais aqui), o Brasil de 2016 está sendo vítima de um golpe de estado, uma vez que até os opositores de Dilma sabem que não foi cometido qualquer crime de responsabilidade como exige a Constituição para que ocorra um processo de impeachment. Está-se diante de um golpe branco, sem tanques e canhões nas ruas, mas, ainda assim, um golpe que envergonhará para sempre a atual e as novas gerações caso venha a ser consumado.
Trata-se de um golpe parlamentar em que a decisão de apenas 54 senadores pode vir a cassar o voto de 54 milhões de eleitores. A esses parlamentares, tudo tem sido prometido no mercado persa aberto pelo interino Michel Temer, de quem se esperava lealdade à presidente eleita, para se manter no poder. É um vale-tudo de uma eleição indireta que transformou o presidencialismo brasileiro num parlamentarismo imposto à força, sem que o povo fosse consultado,
No roteiro original do golpe, idealizado por lideranças da oposição derrotada nas últimas quatro eleições presidenciais, Temer seria apenas um fator de transição e faria a chamada “ponte para o futuro” depois da deposição da presidente eleita. O impeachment seria facilmente aceito pela sociedade e o vice em exercício, com apoio de meios de comunicação conservadores, faria reformas profundas – e altamente impopulares – na economia.
Nada disso deu certo. A mais recente pesquisa Vox Populi revela que 79% dos brasileiros defendem a saída imediata de Temer do cargo – para 61% deve haver novas eleições, enquanto 18% querem que Dilma siga até o fim de 2018. A desestabilização provocada pelo golpe, que trouxe consigo uma sabotagem parlamentar de dois anos, arrastou a economia para a mais grave recessão de sua história e aproximou as contas públicas brasileiras, pretexto para o golpe, das contas públicas da Grécia, como apontou um ministro do próprio governo interino. E aliados que, até ontem, apoiavam o golpe, já ameaçam romper com o interino com a percepção crescente de fracasso do projeto golpista.
O valor do voto
Na narrativa conservadora, o segundo impeachment desde a redemocratização seria a prova de maturidade das instituições brasileiras. Na verdade, o Brasil assiste hoje ao apodrecimento de suas instituições, cujo exemplo mais recente é a guerra aberta entre ministros do Supremo Tribunal Federal, procuradores e associações de magistrados, diante do choque entre investigações e a fragilização das garantias individuais.
O ponto central, no entanto, é outro. Caso Dilma seja efetivamente derrubada sem que tenha cometido crime de responsabilidade, a grande questão a se colocar será outra: para que votar? Qual será o valor do voto em novas eleições, mesmo que elas ocorram em 2018, 2022, 2026, se nenhum governante estará mais seguro?
O que o golpe de 2016 ensina para a História é muito claro: só ficarão no poder aqueles que forem capazes de domar as oligarquias e as chantagens parlamentares – no caso de Dilma, representadas pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sem o qual nada disso estaria acontecendo.
Isso significa que, se o golpe realmente se consumar, o Brasil não deixará de ser uma democracia apenas durante a “ponte para o futuro” de Michel Temer. Deixará de ser uma democracia para sempre, pois aqui ficará provado que as oligarquias midiáticas e os conchavos parlamentares são sempre mais fortes do que a soberania popular.
Dentro de uma semana, cada senador escolherá como será lembrado pela História: se como coveiro da democracia ou não.
Brasil 247