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Sexo e amor na Igreja

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Adital

A 9 de junho o papa Francisco ordenou a criação do tribunal vaticano para julgar bispos acusados de pedofilia e por acobertarem padres denunciados por violência sexual, o que considerou “abuso de poder.”

O tribunal funcionará dentro da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício), a mais importante instância católica depois do papado.

Ano passado, a ONU acusou a Igreja Católica de não combater a pedofilia e facilitar o acobertamento de denúncias. Francisco instalou, então, uma comissão de 17 pessoas, inclusive representantes das vítimas de abuso sexual, para investigar a ocultação desses crimes.


Reprodução.

Sexo sempre foi tabu nas Igrejas. É o que menos se fala e muito se faz. A começar do fato de todos os papas, cardeais e bispos serem frutos da relação sexual entre um homem e uma mulher.

As influências da teologia do apóstolo Paulo, educado pela escola puritana dos fariseus e, mais tarde, de Santo Agostinho, discípulo de Platão, cuja filosofia antepõe corpo e espírito, induziram os católicos a verem no celibato de Jesus um exemplo a ser universalmente abraçado por sacerdotes. Não se leva em conta que o próprio Jesus não considerava o celibato exigência a seus apóstolos, tanto que escolheu como primeiro papa um homem casado, Pedro, cuja sogra ele curou (Marcos 1, 31).

A virgindade de Maria, mãe de Jesus, passou a ter mais importância que seu hino à justiça social, o Magnificat (Lucas 1, 46-55), e sua fidelidade aos valores evangélicos.

Até meados da década de 1960, a Igreja Católica abrigava adolescentes em seminários, privados de contatos com mulheres, no intuito de cultivar neles a vocação ao celibato exigida pelo sacerdócio. Ali tinham início distorções e perversões, como a prática de pedofilia.

Todo pastor é um homem imbuído do poder de tocar a alma humana. Quem convive com gurus religiosos sabe que precisam estar alertas em relação a certas mulheres que, ao despir a alma, facilmente despem também o corpo… Algo parecido ocorre em consultórios de psicanálise. Daí a importância de uma formação sólida para quem lida com a subjetividade alheia, manipulável pela religião.

Francisco dá passos importantes no sentido de abrir, na Igreja, o debate sobre sexualidade. O tema está interdito entre os católicos desde o século XVI, quando se formulou a doutrina ainda vigente e incompatível com os avanços científicos e morais da modernidade, como a exigência de que toda relação sexual tenha por finalidade a procriação, e a proibição do uso de preservativo.

Para adequar a Igreja aos tempos atuais, Francisco convocou para outubro, em Roma, o Sínodo da Família, que debaterá os novos perfis familiares, e deu um basta na homofobia. A homossexualidade é, agora, reconhecida pela Igreja Católica como tendência natural, merecedora de respeito e direitos.

A pedofilia é uma perversão praticada também no interior de famílias e instituições que lidam com crianças. Porém, outras anomalias são frequentes na Igreja, como a dupla moral (a que se prega e a que se vive), a sedução que cria dependência afetiva, o uso do conceito de pecado e do medo do inferno como diabólica maneira de manipular consciências infantilizadas e privadas de discernimento.

Se sexo fosse pecado, Deus não teria criado uma forma tão prazerosa de gerar vida. Mas não é o sexo que o debate católico deve priorizar. É o amor. Todos os abusos sexuais decorrem da falta de amor. Vale lembrar a escala grega: pornô (o prazer de um é a degradação do outro); eros (ambos se dão prazer); filia (do prazer nasce a cumplicidade); ágape (o supremo prazer é a comunhão de espíritos, que transcende a epiderme).

E convém proclamar o que enfatiza a 1ª. Carta de João (4, 7-8): onde há amor, Deus aí está. E acrescento: inclusive em uma relação homoafetiva.

Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.

Publicado originalmente no site do Adital Notícias