Desconforto ou ódio? Transformações sociais no Brasil
Os indicadores sociais da última década demonstram que o Brasil promoveu substanciais melhoras no nível de concentração de renda, no acesso a escolarização – com expressiva redução do analfabetismo e acesso ao ensino superior -, na redução da pobreza e miséria, na elevação do poder de compra do salário mínimo e no nível e qualidade dos empregos – ainda que permaneçam deficiências estruturais no mercado de trabalho.
Euzébio Jorge*, no portal da UJS
O estranhamento da elite em ter que partilhar o espaço público tem relação também com o ineditismo de tal fenômeno, a elite nunca encontrou o trabalhador em espaços não hierarquizados
Porém, pelo que pudemos confirmar nos últimos 6 meses, o Brasil ainda tem um árduo caminho a ser trilhado na construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e abandonando valores de seu passado colonial.
Os dados mostram que o Brasil atingiu as melhoras em seus indicadores econômicos e sociais em virtude da elevação da renda, que como observamos no texto anterior, promoveu o aquecimento da atividade econômica em diversas partes do país. Em algumas regiões os programas sociais de transferência de renda, como bolsa família e aposentadoria rural, foram os responsáveis pelo, relativamente, elevado crescimento econômico. Contudo o mais importante fator de mudança nas condições materiais da sociedade foi a elevação do poder de compra do salário mínimo, que somado a outros elementos contribuiu para elevação dos salários como um todo. A elevada atividade econômica dos anos 2000, chegando a promover um crescimento do PIB maior que 6% de 2004 a 2008, também gerou empregos de qualidade, com elevados salários, com demanda por boa formação técnica.
A redução da desigualdade e a elevação da capacidade de consumir promoveram um compartilhamento de espaço público estranho a sociedade brasileira. A histórica desigualdade social no país estabeleceu quais espaços “deveriam” ser frequentados por trabalhadores e empresários, negros e brancos, pobres e ricos. Quando esta lógica é pervertida, dado mudanças nas estruturas sociais, um grande desconforto é gerado.
Não são poucos os exemplos de discriminação racial e de classe nos aeroportos brasileiros, agora também frequentados por trabalhadores. Não é novidade a indignação da elite brasileira de ter que partilhar bancos de universidades com negros. Ainda é presente as patroas estarrecidas em terem que pagar direitos trabalhistas a suas empregadas, que em grande parte dos casos moram no trabalho e tem jornada de trabalho de 24h por dia, a disposição da sinhá para o que for necessário. Isso não nos lembra nada? Será que os escravos da casa grande desfrutaram a lei Áurea? Sugiro uma reflexão sobre o quarto de empregada na área de serviço, com porta sem tranca e, em alguns casos, porta com janelinha de vidro.
O estranhamento da elite em ter que partilhar o espaço público tem relação também com o ineditismo de tal fenômeno, a elite nunca encontrou o trabalhador em espaços não hierarquizados como no bairro, no transporte público, nos espaços de lazer e é possível que nem mesmo na praia. O conservadorismo das instituições brasileiras, encabeçadas pelos meios de comunicação e uma inclusão social baseada apenas no consumo, impediram mudanças de valores e outros elementos imateriais da sociedade. A manifestação do dia 15 de março, encabeçada pelos grandes meios de comunicação, por parte da direita brasileira e outros setores golpistas apontam que temos um longo caminho a ser percorrido no combate ao racismo, ao machismo, a homofobia e ao esclarecimento do que foi a ditadura militar. As manifestações do dia 15 nos trouxe algumas questões emblemáticas, cito a manifestação de brancos em Salvador, cidade com maior número de negros fora da África no mundo, os cartazes fazendo apologia ao nazismo, os pedidos do retorno a ditadura militar, o cartaz de uma mulher se demostrando a favor do feminicídio e as diversas demonstrações de ódio contra governantes e pessoas de esquerda.
Minha indignação não é maior que meu otimismo de que superaremos o velho moralismo colonial e os novos preconceitos promovidos por ultrapassadas instituições e meios de comunicação irresponsáveis e interessados no desgaste de governos populares. A conquista do outro país se dará pelo desenvolvimento econômico com geração de bons empregos, mas também na construção e implementação de novos direitos sociais, na construção de um processo formativo nas universidades e escolas (sobre tudo com a reforma do ensino médio) que combate preconceitos e que ajude a entender a história de nosso povo e de suas lutas e, não pode ficar de fora, será necessário a criação de diversas outras fontes de informação sintonizados com os novos meios de comunicação, para fazer frente a imprensa golpista.
*Euzébio Jorge é mestre em Economia Política pela PUC, doutorando em Desenvolvimento econômico na Unicamp. Atualmente é presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ). Conselheiro do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) coordenador da Comissão de acompanhamento de políticas e programas do conselho
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