Jornalista é condenado a pagar R$30 mil por causa de uma crônica
Cristian Góes, jornalista do Estado de Sergipe, foi condenado pela Justiça a pagar 30 mil reais ao desembargador Edson Ulisses, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, por ter redigido e publicado uma crônica ficcional. No último dia 28 de novembro. O juiz Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª Vara Cível de Aracaju, decidiu que o jornalista teria que indenizar por danos morais o referido magistrado. “O valor fixado é ínfimo em relação à gravidade da conduta”, escreveu o juiz.
Cristian Góes
A condenação ocorreu em razão de uma crônica ficcional, escrita em primeira pessoa e intituladaEu, o coronel em mim, publicada em um blog, em maio de 2012. Mesmo sem citar no texto nomes de pessoas, cargos, lugares, datas, o juiz entendeu que o jornalista, quando escreveu “jagunço das leis”, não apenas se referiu diretamente a Edson Ulisses, mas ao cargo de desembargador e a “todo Poder Judiciário”.
É a segunda condenação do jornalista por conta do texto. Atendendo ao pedido do desembargador e do Ministério Público Estadual, Góes foi condenado a sete meses e 16 dias de prisão. A pena, convertida em prestação de serviços à comunidade, ainda é alvo de recurso. “São duas sentenças absurdas sob todos os aspectos. O texto é literário e nele não há nem nome de pessoas e nem fato real. Os julgamentos não tiveram a mínima isenção. Não houve o pleno direito de defesa. Os procedimentos foram parciais, políticos, irregulares e ilegais. Vamos recorrer”, disse Cristian Góes.
O desembargador e o Ministério Público entenderam que o jornalista, quando escreveu “coronel” estava “pensando” no governador de Sergipe, Marcelo Déda (já falecido); e quando escreveu “jagunço das leis” estava “pensando” no desembargador Edson Ulisses, que é cunhado do governador e foi escolhido por ele para esse cargo. Na sentença criminal, o Tribunal de Justiça confirmou a condenação do jornalista à prisão por ter escrito essa crônica, usando o argumento que não precisa dizer nomes e nem usar qualquer identificação, basta “meia palavra”.
Já a ação de indenização estava parada no Tribunal de Justiça porque o juiz Aldo Mello era da direção da Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase) quando essa entidade contratou os advogados do desembargador para as ações. “Direta ou indiretamente, o juiz contratou os advogados de uma causa que ele mesmo julgou, e mais, uma causa de seu superior administrativo. Pedimos à suspeição, mas os desembargadores, pares de Edson Ulisses, entenderam que isso não era problema”, informa Góes, que, nessa ação cível, sequer foi ouvido. Ele disse que não tem como pagar a indenização e achou muito estranho o juiz colocar na sentença que a capacidade financeira do réu pode ser aferida nos autos. “Como assim? O Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o desembargador invadiram minha vida privada, minhas contas a pagar e eu não fico sabendo?”, questionou o jornalista.
Para Góes, essas ações, criminal e cível, são uma clara demonstração do atraso, autoritarismo, das relações de compadrio, da sensação de poder absoluto que alguns têm e que pensam que são Deus. “É um claro e direto ataque à liberdade de expressão”, disse ele, que chama a atenção para o teor da sentença do juiz, que pode soar como ameaça ao direito à expressão de outras pessoas. Na decisão, o magistrado diz que a condenação não é uma “imposição de vingança”, mas um ato para “educar o agressor”, um exemplo e um desestímulo para que não se cometa o mesmo crime depois. “Diante de tal sanção desestimuladora, tem-se, por consequência, o caráter preventivo, mormente em virtude de que o ofensor, responsabilizado e obrigado a pagar o valor também do caráter desestimulador, procurará, logicamente, evitar futuros pagamentos dessa natureza, da mesma forma que terceirosterão como exemplo tal fato”, escreve o juiz.
A organização Artigo 19 tem acompanhado o caso do Cristian Góes desde seu início. Em outubro de 2013, a entidade acompanhou o jornalista durante o depoimento que concedeu em audiência realizada em Washington (Estados Unidos), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organizações dos Estados Americanos (OEA) a respeito do processo judicial que vinha sofrendo. A oportunidade serviu como forma de alertar para os problemas que os crimes contra a honra causam ao direito de liberdade de expressão.
Inspirado na crônica de Góes, a Artigo 19 produziu o minidocumentário Eu, o coronel em mim, que traz a história do jornalista e de outras pessoas que foram processadas por crimes contra a honra em razão de atividade jornalística ou de alguma opinião que tenham expressado. A produção pode ser vista aqui.
Fonte: Adital