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COMO E POR QUE A ESQUERDA TOMOU A AMÉRICA LATINA

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Neste domingo, mais uma vez, será noticiado algo que já se tornou comum, na América Latina, há mais de uma década. Uma eleição presidencial vencida por um político de esquerda. O palco, o pequeno Uruguai. O personagem, o médico Tabaré Vázquez.

Com sua vitória, a política uruguaia poderá completar quinze anos de transformações sociais, iniciadas pelo próprio Tabaré, quando assumiu o poder pela primeira vez, em 2005. Cinco anos depois, passou a faixa presidencial ao ex-guerrilheiro José Pepe Mujica, que conseguiu atrair holofotes do mundo inteiro para o Uruguai com seu estilo franciscano – ele vive na zona rural, usa um Fusca antigo e doa para a caridade 90% de seu salário – e com a implantação de reformas nos costumes, como a legalização da maconha e do aborto.

Agindo de maneira totalmente fora das padrões, Mujica se tornou o político mais admirado do mundo pela sisuda publicação britânica The Economist, a bíblia dos neoliberais. E agora ele, um ex-guerrilheiro tupamaro que passou 14 anos de sua vida preso numa solitária, devolverá a faixa a Tabaré Vázquez.

Ruína neoliberal

A ascensão de governos de esquerda na América Latina é consequência direta do colapso das economias do continente após as políticas neoliberais implantadas na década de 90. O Brasil, como se sabe, recorreu três vezes ao Fundo Monetário Internacional. A Argentina, que havia implantado à força a política que igualava o peso ao dólar, viveu agudas crises políticas e econômicas – na mais grave, o ex-presidente Fernando de la Rúa se viu forçado a fugir da Casa Rosada de helicóptero.

Nos anos 90, vendas de ativos de públicos, na era das privatizações, não foram suficientes para estancar o endividamento interno e externo dos países latino-americanos, nem para gerar bem-estar social.

Com o desemprego nas alturas, as transformações começaram pela Venezuela, onde um militar, Hugo Chávez, liderou uma bem-sucedida revolução. Depois, favorecido pela alta dos preços internacionais do petróleo, conseguiu implantar políticas sociais que garantiram à Venezuela o mais longo ciclo da esquerda no continente – iniciada com Chávez, em 1999, a chamada Revolução Bolivariana perdura até hoje com Nicolás Maduro, ainda que enfrente dificuldades crescentes.

O modelo lulista

No entanto, o fenômeno que permitiu a expansão da esquerda na América Latina foi a vitória emblemática de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2002. Primeiro trabalhador a presidir a maior democracia do continente, Lula soube encontrar um modelo de distribuição de renda em que todos ganharam.

Surfando no ciclo de alta das commodities, implantou políticas macroeconômicas sensatas, expandiu o mercado de capitais, o que permitiu que o Brasil gerasse uma nova safra de bilionários, e ainda assim liderou um dos maiores processos de distribuição de renda na história. Nada menos que 40 milhões de pessoas deixaram a miséria e se incorporaram à classe média.

Não por acaso, Lula terminou seu segundo mandato com 70% de aprovação popular e passou a faixa presidencial à ex-guerrilheira Dilma Rousseff, reeleita para mais quatro anos em outubro deste ano. Com Lula e Dilma, o Brasil se prepara para um ciclo de 16 anos de um governo popular, que poderão ser 20 caso Lula decida ser candidato em 2018.

Chavismo ou lulismo

O sucesso da esquerda na América Latina com dois grandes faróis, Chávez e Lula, abriu duas vertentes, logo classificadas por historiadores como “carnívora” ou “herbívora”. No primeiro time, jogariam lideranças políticas mais alinhadas com o chavismo, e menos apegadas a contratos e aos ritos democráticos. O exemplo mais clássico, o de Evo Morales, o primeiro líder indígena a governar a Bolívia.

Entre os “herbívoros”, destacam-se os políticos que seguem a cartilha lulista, como Ollanta Humala, no Peru, e mesmo Michelle Bachelet, no Chile. São governos pró-mercado, mas com intensos canais de diálogo com a sociedade e políticas de inclusão social.

No meio do caminho, nem tão carnívoro e nem tão herbívoro, o melhor exemplo é o do equatoriano Rafael Correa, um economista com formação nos Estados Unidos, mas que se comporta como o “enfant terrible” do continente. Foi ele, por exemplo, quem concedeu a asilo diplomático a Julian Assange, fundador do Wikileaks, e um dos maiores inimigos dos Estados Unidos.

Assim como ele, o também ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, implanta políticas sociais, sem romper com o mercado. Seu modelo é Lula.

Os limites da esquerda

Independente das vertentes e das políticas abraçadas pela esquerda latino-americana, muitos já se questionam sobre a longevidade dos governos populares.

No Brasil, Dilma foi reeleita, mas enfrentou uma eleição dificílima. Em outros países, crises econômicas e políticas fustigam governos de esquerda.

Os dois países que representam, hoje, os maiores riscos são justamente a Venezuela e Argentina. O primeiro, atingido diretamente pela queda nos preços do petróleo, já enfrenta crises de abastecimento e terá dificuldades para manter uma política de distribuição de renda. Na Argentina, a alta inflação, que se soma à baixa credibilidade internacional do País, dificulta a atração de investimentos.

Crises localizadas, no entanto, não representam o desejo de uma restauração neoliberal. Na Venezuela, o político Henrique Capriles, principal opositor de Maduro, tem dito que seu modelo, num eventual governo, será o de Lula – assim como também prometem os principais opositores argentinos.

Neste ambiente de profundas transformações, em que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina, milhões de pessoas deixaram a pobreza e a média de crescimento foi próxima a 2014, o ano decisivo será o de 2018, quando Lula, principal liderança da região, poderá tentar voltar ao poder, abrindo as portas para um ciclo de 20 anos no Brasil.

 

Brasil 247