A recente ascensão da startup chinesa DeepSeek, que lançou um modelo de inteligência artificial (IA) tão eficiente quanto os desenvolvidos por gigantes como OpenAI e Google, mas a um custo substancialmente inferior, coloca em xeque a estratégia de investimentos bilionários anunciada por Donald Trump para garantir a liderança dos Estados Unidos na corrida tecnológica global.

Nesta segunda (27), o republicano classificou como “positivo” o progresso alcançado pela DeepSeek durante um discurso para correligionários da Câmara. Reativo, Trump ainda afirmou que em breve vai impor tarifas sobre produtos farmacêuticos, semicondutores e metais estrangeiros que ingressam no mercado americano.

Em discurso de posse, Trump anunciou um investimento de até US$ 500 bilhões por meio da criação de uma entidade chamada Stargate, com o objetivo de estabelecer uma infraestrutura massiva de IA no Texas.

Contudo, a emergência de DeepSeek, uma IA desenvolvida por uma empresa com recursos muito mais modestos, trouxe à tona sérias questões sobre a eficácia de tais investimentos e a real competitividade dos EUA frente à inovação chinesa.

A promessa de Trump e o seu fracasso precoce

O projeto Stargate de Trump, destinado a criar centros de dados colossais e promover o avanço da IA no país, foi anunciado com grandes expectativas. A estratégia incluía parcerias com empresas como OpenAI, Oracle e SoftBank e visava consolidar a dominância dos EUA no desenvolvimento de IA, especialmente em um cenário de crescente rivalidade com a China.

Porém, a recente performance da DeepSeek, cujo modelo R1 rivaliza com os de grandes empresas ocidentais, mostrou que a abordagem de Trump pode estar falhando. A IA chinesa conseguiu alcançar resultados comparáveis aos de modelos intensivos em recursos, mas com um custo significativamente menor, desafiando a necessidade dos bilhões de dólares propostos pelo projeto Stargate.

Além disso, o impacto financeiro foi imediato. No mesmo dia do lançamento do modelo R1, as ações das principais empresas de tecnologia dos EUA, incluindo Nvidia e Oracle, sofreram quedas drásticas, com a Nvidia registrando uma perda histórica de US$ 600 bilhões em valor de mercado. O mercado reagiu com uma forte desvalorização das empresas líderes de IA, refletindo uma reavaliação crítica sobre o futuro da indústria.

A estratégia de contenção dos EUA e a realidade chinesa

Para conter o avanço da China em IA, os Estados Unidos adotaram uma série de restrições rigorosas, incluindo a proibição da exportação de chips avançados para o país asiático, essencial para o treinamento de modelos de IA.

Trump, em sua tentativa de proteger a liderança tecnológica dos EUA, anunciou a imposição de tarifas sobre semicondutores e outros produtos essenciais, buscando trazer a produção de chips de volta ao solo norte-americano.

No entanto, o avançode DeepSeek sugere que essas medidas de contenção podem ter tido o efeito contrário, estimulando a inovação dentro da China. Engenheiros chineses, com recursos limitados e sem acesso aos chips mais sofisticados, conseguiram desenvolver uma IA competitiva por meio de abordagens mais eficientes, que não dependem dos altos investimentos exigidos pelas empresas americanas.

Este avanço evidencia uma falha estratégica: em vez de sufocar a inovação chinesa, as sanções podem ter forçado a China a buscar soluções criativas, acelerando o desenvolvimento de tecnologias alternativas. A DeepSeek, por exemplo, utilizou apenas 2.000 chips Nvidia H800, significativamente menos do que os 16.000 chips necessários para os modelos de IA dos EUA. O que demonstra que a inovação pode ser alcançada sem o dispêndio excessivo de recursos, tônica da lógica capitalista e símbolo da era Trump.

O alerta de Trump e a realidade do mercado

Embora o presidente norte-americano tenha reconhecido a DeepSeek como um “alerta” para a indústria do seu país, ele também considerou o surgimento da IA chinesa como um “ativo” para o mercado.

Em seu discurso, ele enfatizou que a capacidade de desenvolver tecnologias de ponta a um custo menor seria benéfica para os EUA, já que permitiria a adaptação de modelos mais econômicos e igualmente eficientes. Contudo, a reação do mercado e a perda de US$ 1 trilhão em valor de mercado das grandes techs demonstram que o impacto da DeepSeek é mais significativo do que Trump pode ter antecipado.

A promessa de que os EUA ainda mantêm a vantagem tecnológica devido à superioridade de seus cientistas se vê cada vez mais ameaçada pela agilidade e eficiência das startups chinesas.

O Impacto geopolítico e o futuro da corrida tecnológica

O desafio representado pela DeepSeek vai além da economia e do mercado financeiro. A competição tecnológica entre os EUA e a China, particularmente no setor de IA, tem implicações geopolíticas profundas, que podem redefinir a balança de poder global. Trump, ao tentar preservar a supremacia americana, vê-se agora em uma posição difícil, com uma China mais adaptável e inovadora, capaz de contornar barreiras e vencer a corrida com uma fração dos custos dos investimentos ocidentais.

Essa realidade coloca em dúvida o modelo de “America First” adotado por Trump, revelando que, no cenário da IA, a inovação e a eficiência podem não depender exclusivamente de investimentos massivos, mas também da capacidade de adaptação e do uso estratégico de recursos. As potências do futuro serão aquelas que conseguirem não apenas mobilizar grandes capitais, mas também explorar novas formas de desenvolvimento tecnológico que rompam com o modelo tradicional.