5% acreditam que todos são racistas. Mulheres denunciam mais o racismo na sociedade brasileira e pessoas pretas percebem aumento da discriminação.
Publicado pelo Portal Vermelho
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que 59% dos brasileiros acreditam que a maior parte da população é racista. Além disso, 5% consideram que todos são racistas. Por outro lado, 30% avaliam que uma parcela menor da sociedade discrimina negros, enquanto 4% afirmam que ninguém pratica racismo.
Os dados mostram diferenças marcantes entre gêneros: 74% das mulheres acreditam que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas, enquanto esse índice cai para 53% entre os homens.
Percepção do aumento da discriminação racial
A pesquisa aponta que 45% dos entrevistados acreditam que a discriminação racial aumentou nos últimos anos. Para 35%, o racismo permaneceu no mesmo patamar, enquanto 20% avaliam que houve redução.
Entre os grupos raciais, pretos lideram na percepção de aumento da discriminação, com 54% indicando essa tendência. Entre os brancos, o índice é de 37%.
Experiências de discriminação
Pretos também são os que mais relatam ter sofrido discriminação racial, com 56% dos entrevistados declarando essa experiência. Entre os pardos, o índice é de 17%, e entre os brancos, 7%.
O levantamento foi realizado entre os dias 5 e 7 de novembro e ouviu 2.004 pessoas com mais de 16 anos, em 113 municípios do país, incluindo regiões metropolitanas e cidades do interior. A margem de erro é de dois pontos percentuais para a amostra total, com variações de cinco pontos para pretos, quatro para brancos e três para pardos.
O racismo é considerado crime inafiançável e imprescritível no Brasil, sujeito à pena de reclusão. Apesar disso, os dados indicam que a discriminação ainda é amplamente reconhecida como um problema presente na sociedade brasileira.
Racismo estrutural e suas raízes históricas
Julião Vieira, liderança da União de Negros pela Igualdade (Unegro), comentou ao Portal Vermelho os resultados da pesquisa Datafolha. Para ele, pesquisas são ferramentas úteis para compreender a realidade, mas carecem de apontar soluções concretas. “Pesquisa é bom, né? Dá um norte, ajuda a ter dimensão de como as coisas estão, se avançou ou não. Mas também não traz, necessariamente, os caminhos para superar os problemas”, pontuou.
Julião destacou que o racismo no Brasil está profundamente enraizado, desde a escravidão. Ele explicou como o período escravocrata criou a base do racismo estrutural, que ainda persiste ajustado às dinâmicas contemporâneas. “Mesmo após a abolição, o racismo não acabou; ele se manteve e se reorganizou”, afirmou. Segundo ele, apesar de avanços pontuais, como políticas públicas iniciadas no primeiro governo Lula, os desafios permanecem enormes.
O ativista também alertou sobre o aumento da expressão aberta do racismo nos últimos anos, que, para ele, ganhou força durante o governo de Jair Bolsonaro. “Antes, as pessoas tinham vergonha de se declarar racistas. Hoje, é diferente. Veja os atos racistas como aquele nos jogos universitários da PUC. Isso era inimaginável anos atrás”, exemplificou, citando episódio desta semana envolvendo estudantes de Direito.
A violência e o recorte racial
Outro ponto central da análise de Vieira foi a relação entre racismo e segurança pública. Ele ressaltou a violência policial desproporcional contra a população negra e o aumento de homicídios entre mulheres negras, enquanto o índice diminui entre mulheres brancas. “A polícia está desqualificada, e quem mais sofre é o povo negro. Crianças, adolescentes, jovens trabalhadores negros são assassinados, e isso precisa mudar”, denunciou.
Julião também abordou a realidade dos moradores de rua, destacando que a maioria é composta por pessoas negras, vítimas de um ciclo de exclusão social e econômica. Para ele, a inclusão passa por políticas que atendam às necessidades dessa população marginalizada.
Ao avaliar os resultados das últimas eleições municipais, Vieira apontou o crescimento no número de candidaturas negras, mas destacou que esse aumento não se traduziu em maior representatividade nos eleitos. “Há problemas estruturais, como financiamento de campanhas e a própria estrutura partidária, que limitam esse avanço”, afirmou. No entanto, ele reconheceu o crescimento da adesão de brancos à luta antirracista como um passo importante, embora insuficiente.
Falta visibilidade ao movimento negro
O ativista comparou a cobertura e o apoio público dados à Marcha da Consciência Negra e à Parada LGBTQIA+. Segundo ele, a falta de investimentos e apoio ao movimento negro reflete desigualdades estruturais. “A Parada LGBTQIA+ tem investimentos milionários, hotéis lotados e ampla divulgação. Já a marcha do movimento negro não recebe o mesmo tratamento. Isso mostra a diferença nos espaços de poder e decisão”, criticou.
Para Julião, o combate ao racismo no Brasil exige mais do que reflexão. É preciso ação e comprometimento. Ele acredita que, apesar de avanços, como o aumento da adesão à luta racial, ainda há limitações tanto nos movimentos progressistas quanto na sociedade em geral. “Precisamos incluir o negro em todos os setores e criar estratégias mais efetivas. A pesquisa é importante, mas precisamos de caminhos concretos”, concluiu.
Julião encerrou destacando a urgência de fortalecer a luta pela igualdade racial, convidando a sociedade a refletir e agir de forma mais contundente. “O racismo é uma chaga no Brasil, e só será superado com educação, políticas públicas e mobilização coletiva.”
Outras pesquisas e as contradições de percepção
Dados recentes de pesquisas realizadas por diferentes institutos mostram um avanço significativo no reconhecimento do racismo como um problema estrutural no Brasil, mas também destacam dificuldades em identificar e enfrentar práticas discriminatórias. A maior contradição que comparece em todas elas é o fato de uma admissão de racismo generalizado na sociedade não vir acompanhado de uma admissão pessoal do racismo. Se a maioria acredita que a maioria é racista, no entanto, nenhum entrevistado se assume como tal.
De acordo com levantamento do Datafolha, 59% dos brasileiros acreditam que a maior parte da população é racista, e outros 5% dizem que todos são racistas. Já a pesquisa Ipec, encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Seta, divulgada em agosto de 2023, aponta que 60% concordam plenamente que o Brasil é um país racista, enquanto 21% concordam em parte.
Ambas as pesquisas também destacam que o racismo é percebido como um fator determinante de desigualdade no Brasil. O estudo do Ipec aponta que 44% identificam raça, cor e etnia como os principais marcadores sociais de desigualdade, enquanto 29% mencionam a classe social como fator preponderante.
Diferenças entre percepções individuais e reconhecimento coletivo
Embora a maioria reconheça o racismo no Brasil, poucos admitem praticá-lo ou presenciá-lo em seus círculos sociais. Segundo o Ipec, apenas 11% dos entrevistados admitem atitudes racistas, e 10% dizem trabalhar em instituições racistas. Entretanto, 51% afirmam já ter presenciado atos de racismo, e 46% dizem conviver com vítimas dessa prática.
A pesquisa Datafolha reforça essa contradição ao mostrar que pretos são os mais afetados: 56% relatam sofrer discriminação, comparado a 17% entre pardos e 7% entre brancos. Além disso, 79% dos entrevistados na pesquisa Ipec acreditam que abordagens policiais discriminatórias são baseadas em características como cor da pele e vestimenta.
Racismo estrutural e no mercado de trabalho
O Instituto Locomotiva, em parceria com o Carrefour, destacou que pretos e pardos compõem 56% da população brasileira, mas enfrentam dificuldades maiores no mercado de trabalho. Apenas 48% dos trabalhadores negros ocupam cargos de liderança, e 52% relatam ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho.
Além disso, a pesquisa Locomotiva mostra que 69% das pessoas negras relatam já ter sido seguidas por seguranças em lojas, índice que sobe para 76% entre pretos. A pesquisa foi realizada com 1630 entrevistados em 72 cidades do país entre os dias 15 e 20 de abril de 2021.
As manifestações mais comuns de racismo apontadas pelo Ipec incluem violência verbal (66%), tratamento desigual (42%) e violência física (39%). Já na pesquisa Locomotiva, 61% dos brasileiros relatam ter presenciado negros sendo humilhados em espaços públicos, como lojas e restaurantes.
Embora o racismo seja amplamente reconhecido, as pesquisas revelam que a compreensão sobre sua dimensão estrutural ainda é limitada. Isso dificulta a formulação de estratégias eficazes de enfrentamento, seja no âmbito individual ou institucional.
As pesquisas convergem em um ponto: o reconhecimento do racismo como problema social é um passo importante, mas insuficiente para a superação de suas consequências na sociedade brasileira.
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