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Documentário resgata história de João Carlos Haas, o Doutor Araguaia, morto pela ditadura

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Documentário resgata história de João Carlos Haas, o Doutor Araguaia, morto pela ditadura

 

Pré-estreia será no dia 13, em São Leopoldo (RS), onde nasceu o médico querido pelos camponeses e que lutou pela democracia. “Sentimos que ele está vivo”, diz Sônia, sua irmã

 

Sônia e seu irmão, João Carlos. Foto: divulgação/arquivo pessoal

O documentário “Doutor Araguaia – A História do Médico João Carlos Haas Sobrinho”, militante do PCdoB que participou da Guerrilha do Araguaia e foi morto pela ditadura militar, já tem data marcada para sua pré-estreia. A primeira será em sua cidade-natal, São Leopoldo (RS), no próximo dia 13, no Cinesystem. No dia 16, será a vez de Porto Alegre, na Casa Diógenes de Oliveira.

Com duração de 90 minutos, cinco músicas inéditas e cerca de 50 entrevistas, o filme é dirigido pelo documentarista Edson Cabral e tem como produtora Sonia Haas, irmã de João Carlos, que luta incansavelmente há décadas por justiça, memória e verdade, juntamente com outros tantos familiares de mortos e desaparecidos políticos que ainda hoje não puderam enterrar seus entes.

Feito a partir de um edital da Lei Paulo Gustavo – Tocantins, o documentário é uma produção independente da TG Economia Criativa e conta ainda com o apoio das prefeituras de São Leopoldo e Porto Franco (MA) e com apoio institucional da Fundação Mauricio Grabois (FMG). O título foi inspirado na revista em quadrinhos “Doutor Araguaia, a História de João Carlos Haas Sobrinho”, de Diego Moreira e Gabriel Kolbe, lançado em 2023 pela editora Alameda.

Leia também: Concha Acústica da UFC é renomeada para homenagear guerrilheiro do Araguaia

O documentário resgata a história do estudante de medicina gaúcho, nascido em 1941 na cidade do Vale dos Sinos, que resolveu, como tantos outros jovens, lutar contra o regime militar implantado no Brasil com o golpe de 1964.

Após concluir seu curso, João Carlos tornou-se médico pioneiro nas regiões de Porto Franco e Xambioá (TO), onde comunidades completamente desassistidas tiveram, pela primeira vez, a oportunidade de serem atendidas por um profissional da saúde.

Conforme a apuração e as entrevistas feitas para o filme, o médico pôde, mesmo com recursos precários, cuidar e salvar um número incontável de vidas entre 1964 e 1972. Sua atuação fez com que fosse amado e respeitado pelos camponeses que, além da pobreza, também sofriam diretamente com as arbitrariedades e descaso do regime de exceção.

Membro da Guerrilha do Araguaia, movimento que reuniu dezenas de comunistas do PCdoB dispostos a lutar pela democracia e a liberdade, João Carlos, assim como a maior parte do grupo, foi assassinado na região do Bico do Papagaio, que perpassa os estados do Maranhão, Tocantins e Pará. Até hoje, os restos mortais de João Carlos — assim como da maioria dos guerrilheiros — não foram entregues aos familiares, assim como não houve punição aos responsáveis.

Missão

“Eu enxergo essa minha busca pelo João Carlos, pela história dele e pelo resgate de sua dignidade, como uma missão. Então, lançar esse documentário é parte dessa missão, uma parte muito importante, simbólica, que vai registrar toda a caminhada dele. Fomos aos lugares onde ele morou, falamos com as pessoas que foram pacientes dele, tivemos muitos encontros interessantes que simbolizaram reencontrar o João Carlos”, explica Sonia Haas. “Visitando esses lugares e conversando com essas pessoas, sentimos que o João Carlos está vivo”, completa.

O diretor Edson Cabral

Edson Cabral lembra que desde a primeira vez em que conversou com Sônia, percebeu “a determinação, a coragem e a resiliência de quem completa cinco décadas procurando informações do seu querido irmão que, desde de 1966, nunca mais retornou, deixando para trás saudade, tristeza e uma grande incerteza: onde estará João Carlos Haas Sobrinho?”.

Sobre o processo de três anos que resultou no documentário, Cabral conta que para compor o relato, foram meses de leituras de livros, relatórios e documentos, muitos dos quais fazem parte do acervo pessoal da família Haas e da Fundação Maurício Grabois. Além disso, foram realizadas dezenas de entrevistas nas cidades de Brasília, São Paulo, Porto Franco, Xambioá, São Geraldo, Goiânia, São Leopoldo e Porto Alegre.

“Fiquei emocionado com os depoimentos de familiares, amigos, pacientes, ex-guerrilheiros, camponeses, estudiosos e lideranças do PCdoB. E posso afirmar com convicção: os vencidos foram os vencedores”, enfatiza o diretor.

Um dos pontos que norteou o seu trabalho, relata, foi a necessidade de procurar respostas a ao menos dois vazios: o da “saudade e da perplexidade dos familiares e amigos do Sul e o da saudade e da incompreensão dos amigos, pacientes e familiares do Norte, que tiveram suas vidas transformadas ou salvas por um brasileiro exemplar. Era necessário unir esse turbilhão de amor, carinho e admiração para oferecer respostas que preenchessem esses vazios”.

Desse processo, surgiu o projeto, construído em parceria com Sônia e com a Fundação Mauricio Grabois. “Era um caminho que encontramos para trazer a verdade, sem precisar utilizar exaustivas narrativas de opressão, tortura e violência”, pontua.

É preciso tocar as pessoas

João Carlos Haas. Foto: arquivo pessoal

Ao humanizar a história de João Carlos — um brasileiro que, como tantos outros, resolveu resistir e lutar contra o autoritarismo, mas que também tinha sua dimensão humana, seus sentimentos, sonhos, familiares e amigos como qualquer outra pessoa  —, o documentário procura aproximar o personagem do espectador, mostrando o impacto das ações da ditadura na vida de gente comum, de gente como a gente.

Essa dimensão, aliás, está presente também no relato de um grande número de camponeses simples que puderam conhece-lo e que viam nele alguém próximo e de confiança, que procurava, como podia, mitigar parte das mazelas do Brasil profundo.

Neste sentido, Sonia argumenta que ao contar a história de um familiar, “conseguimos tocar mais as pessoas. Ele é o meu irmão, é a minha vida. Dessa forma, acredito que quem assiste consegue enxergar um pouco mais a dor, a angústia, a tristeza e as atrocidades causadas pela ditadura militar. Então, é um processo educativo”.

Considerando o momento que o Brasil e o mundo vivem — de ascensão da extrema-direita e da valorização de ideias autoritárias e fascistas —, Sônia salienta que o relato trazido pelo documentário resgata parte da história que a sociedade brasileira precisa conhecer para não deixar que volte a acontecer. “Precisamos ter cada vez mais livros, filmes, peças de teatro, produções midiáticas que falem sobre esse assunto, para que esses acontecimentos alcancem um número maior de pessoas”, pontua.

Sônia conclui dizendo estar emocionada com o término e o lançamento do documentário e com grande expectativa quanto à sua receptividade. “Estou feliz porque é, também, um ciclo que se fecha”, destaca.

Já o diretor Edson Cabral finaliza dizendo esperar que o documentário “faça justiça a todos aqueles que ousaram enfrentar, com armas simples, amor ao próximo e a convicção dos seus ideais, os canhões e a arrogância dos torturadores”.

Blog do Mamede

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