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STF determina retirada de livros jurídicos com conteúdo LGBTfóbico e misógino

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STF determina retirada de livros jurídicos com conteúdo LGBTfóbico e misógino

 

Segundo Dino, STF possui entendimento consolidado de que a liberdade de expressão não abrange o incentivo à intolerância

 

O ministro do STF Flávio Dino em imagem de arquivo — Foto: Gustavo Moreno /STF

Em uma decisão que marca um avanço no combate ao discurso de ódio e à intolerância em obras acadêmicas, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a retirada de circulação de quatro livros jurídicos acusados de conter material LGBTfóbico (homofóbico, como expresso na decisão) e misógino (conteúdo de teor de desprezo por mulheres). A decisão, emitida na quinta-feira (31), também estabelece uma indenização de R$ 150 mil a ser paga pelos autores e pela editora responsável, Conceito Editorial, por danos morais coletivos.

Segundo Dino, as obras poderão ser novamente publicadas e comercializadas, desde que os trechos discriminatórios sejam removidos, em consonância com os princípios constitucionais de dignidade humana e igualdade. A decisão responde a uma ação do Ministério Público Federal (MPF), que questionava o conteúdo de cinco livros escritos pelos mesmos autores. No entanto, o magistrado constatou que, em um deles, não foi identificado material considerado discriminatório.

Liberdade de expressão e direitos fundamentais

Em sua decisão, o ministro Flávio Dino sublinhou que, embora a liberdade de expressão seja garantida pela Constituição, essa prerrogativa possui limites quando em conflito com outros direitos fundamentais, como a dignidade humana. Dino destacou que o STF já possui entendimento consolidado de que essa liberdade não abrange o incentivo ao ódio, à intolerância racial e à violência, e que a Constituição admite responsabilização civil e penal para expressões que desrespeitem esses valores.

“Esta Casa possui consolidada jurisprudência sobre a importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático, porém não deixa de atuar nas hipóteses em que se revela necessária a intervenção do Poder Judiciário, ante situações de evidente abuso da liberdade de expressão, como a que verifico no caso em exame”, argumentou Dino.

Denúncia de conteúdo discriminatório

A denúncia inicial partiu de estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, que identificaram teor homofóbico em exemplares dos livros disponíveis na biblioteca da instituição. Entre as declarações contidas nas obras, os autores faziam menção à suposta existência de uma “máfia gay” e consideravam a homossexualidade como uma “anomalia sexual” ou “prática doentia”. Termos como “homossexualismo” (considerado obsoleto e pejorativo) eram usados para classificar a orientação sexual de forma negativa. Em uma das obras, ainda constava a defesa de que empresas poderiam demitir funcionários considerados “afeminados”.

Além da comunidade LGBTQIA+, os livros também atacavam as mulheres, associando-as a estereótipos misóginos e depreciativos. Um dos trechos menciona que elas só seriam “escolhidas” para casamento se fossem “menos afetas à promiscuidade”. Outras passagens as descrevem como “de uso exclusivo” de determinados homens, no caso, os “playboys”. A editora responsável, Conceito Editorial, publicou os livros entre 2008 e 2009, com temáticas que incluem biodireito, direito penal, direito do consumidor, direito do trabalho e direito constitucional.

Decisão de caráter reparatório e não censura

Dino frisou que a decisão não constitui censura prévia, pois não foi tomada de forma preventiva ou abstrata, mas sim fundamentada em evidências de abuso explícito da liberdade de expressão. “A decisão que adoto ao presente caso não impõe aos recorridos qualquer restrição que ofenda a proteção da liberdade de manifestação em seu aspecto negativo, ou seja, ela não estabelece imposição inconstitucional de censura prévia, cujo traço marcante é o caráter preventivo e abstrato de restrição à livre manifestação de pensamento”, explicou o ministro.

A partir dessa decisão, os livros poderão voltar ao mercado, mas apenas se forem reeditados sem os trechos discriminatórios. Para Dino, as obras ferem os princípios constitucionais ao “atribuir características depreciativas” a grupos vulneráveis, endossando preconceitos e incitando a violência contra mulheres e a população LGBTQIA+.

Contexto e impacto da decisão

A decisão de Dino ocorre em um momento em que o Brasil registrou, em 2023, 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, além de uma histórica decisão do STF de 2003, na qual se concluiu que a liberdade de expressão não abarca a intolerância racial e a incitação à violência. No cenário internacional, o Brasil também é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, reforçando o compromisso com a proteção dos direitos humanos.

A medida do STF estabelece um precedente relevante para a atuação contra o discurso de ódio nas obras jurídicas e acadêmicas, sinalizando que, embora o pensamento crítico seja um direito, a utilização desse espaço para a promoção de discriminação e preconceito não será tolerada em uma sociedade democrática.

Autor
Blog do Mamede

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