Após seis anos de espera, tribunal impõe 78 e 59 anos de prisão aos réus e expõe brutalidade do crime; julgamento reforça busca por mandantes e luta por justiça.
Publicado pelo Portal Vermelho
Após seis anos de espera, o 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou nesta quinta-feira (31) os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, ocorridos em 14 de março de 2018. Lessa recebeu uma sentença de 78 anos e 9 meses de prisão, enquanto Queiroz foi condenado a 59 anos e 8 meses. Ambos deverão ainda pagar R$ 706 mil em indenização por danos morais às famílias das vítimas.
O julgamento, que durou dois dias, trouxe à tona revelações sobre uma execução brutal e levantou questões pendentes sobre os mandantes do crime. A juíza responsável, Lúcia Mothé Glioche, destacou a importância da sentença: “A Justiça por vezes é lenta, cega, torta, mas chega até para os acusados que acham que jamais serão alcançados pela Justiça”. Ela também fez um alerta sobre a existência de outros “Ronnies e Élcios” que permaneceram livres na cidade, enquanto a luta por justiça segue.
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Na leitura da sentença, a juíza Lúcia Mothé Glioche afirmou que a “justiça por vezes é lenta, cega, torta, mas chega até para os acusados que acham que jamais serão alcançados”.
“A sentença lida agora talvez não traga a justiça. Justiça seria que o dia de hoje não tivesse acontecido e Marielle e Anderson presentes. Dizemos que vítimas do crime do homicídio são aqueles que ficam vivo tendo que sobreviver no esgoto que é o vazio de viver sem aquele que foi arrancado do seu cotidiano”, disse a magistrada. Em seguida, ela complementou: “a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes e aos vários Ronnies e Élcios que existem na cidade do Rio livres por aí. A Justiça chegou para eles.”
Execução premeditada e testemunhos emocionantes
O julgamento, iniciado nesta quarta-feira (30), começou com os depoimentos dos réus e de nove testemunhas, incluindo Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, a viúva da vereadora, a também vereadora Mônica Benício (Psol), a viúva de Anderson Gomes, Ágatha Arnaus, e a sobrevivente do atentado, a assessora Fernanda Chaves. Em depoimento emocionante, Fernanda contou a cena dos disparos, lembrando que Marielle foi atingida de imediato e ficou em silêncio e que Anderson esboçou uma reação de dor e soltou do volante. Ela se abaixou depois de perceber que o motorista também havia sido atingido. O veículo foi atingido por 13 disparos: quatro acertaram a cabeça de Marielle e três acertaram Gomes.
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Já na manhã desta quinta, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apresentou suas denúncias finais, com o promotor Eduardo Martins afirmando que o objetivo de Ronnie Lessa era eliminar todos os ocupantes do carro para evitar testemunhas. “Se eu deixo o motorista vivo, ele pode anotar minha placa, pode dizer para que lado o carro dobrou, pode ligar para o 190 e dizer: ‘corre atrás dessa placa que foi quem acabou de disparar’”, explicou o promotor, enquanto exibia imagens do carro alvejado. A acusação também apresentou pesquisas de Lessa na internet relacionadas ao crime, reforçando a tese de um ataque premeditado.
Defesa pede “condenação justa”
Ao longo do julgamento, as defesas de Lessa e Queiroz também se pronunciaram. O advogado de Lessa, Saulo Carvalho, pediu uma especificação “justa” e destacou que a delação de seu cliente foi crucial para desvendar detalhes do caso e identificar possíveis mandantes. Já a advogada de Queiroz, Ana Paula Cordeiro, reforçou que seu cliente desconhecia a identidade da vítima até o momento do crime e pediu que a condenação fosse “na medida de sua culpabilidade”.
“Ronnie planejou o crime, adquiriu o carro, preparou a arma e a munição, e foi quem efetuou os disparos”, disse. “Elcio apenas dirigiu o veículo no dia 14 de março de 2018. A responsabilidade de Élcio é muito menor do que a de Ronnie”, complementou a advogada.
Os depoimentos dos réus
Os réus prestaram depoimento por videoconferência, com Lessa falando da penitenciária de Tremembé, em São Paulo, e Queiroz do presídio da Papuda, em Brasília. Em sua fala, Ronnie Lessa confessou o crime, explicando que vigiou a vereadora por meses a mando de terceiros. Ele também pediu desculpas aos familiares das vítimas. “Fiquei cego; minha parte eram R$ 25 milhões”, disse Lessa. “Podia falar assim: era o papa, que eu ia matar o papa, porque fiquei cego e reconheço. Vou cumprir o meu papel até o final, e tenho certeza de que a Justiça será feita”, afirmou o ex-policial. Ele acrescentou que, na época, aceitou a proposta porque acreditava que Marielle Franco era uma “pedra no caminho” dos seus contratantes.
Élcio de Queiroz, por sua vez, alegou que soube da identidade de Marielle apenas momentos antes do crime. Segundo ele, a ordem para estacionar o carro e facilitar os disparos vindos de Lessa: “No trajeto, ele [Lessa] fala: ‘Vamos pro centro do Rio’. Perguntei o que era e ele explicou que era um alvo. ‘Isso é pessoal’, falou pra mim. Aí fiz o trajeto”, relatou.
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Ao longo do julgamento, foram expostos elementos de uma trama que envolve milícias e disputas de poder em territórios cariocas. Em delação, Lessa revelou que teria sido contratado por Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), e por Chiquinho Brazão, deputado federal, ambos acusados de mandantes, embora neguem envolvimento. Lessa também afirmou que o delegado Rivaldo Barbosa teria recebido propina para proteger os mandantes, uma acusação que Barbosa rejeita.
Essas informações fazem parte de um segundo inquérito que investiga os mandantes do crime e que, em março deste ano, culminou na prisão de Brazão e os outros dois envolvidos, ainda sem veredicto final. Para o promotor Martins, a delação de Lessa e Queiroz é apenas um passo na resolução completa do caso.
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