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A América Latina perde Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação

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A América Latina perde Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação

 

O sacerdote peruano deixa um legado profundo na Igreja Católica e na vida daqueles que sofrem com a exclusão e a pobreza no continente

 

Gustavo Gutiérrez Merino: ensinou que a pobreza não é algo a ser aceito, mas um desafio a ser superado, e as estruturas que produzem a pobreza são ‘estruturas de pecado’

A América Latina e sua Igreja Católica sofreram uma grande perda com o falecimento de Gustavo Gutiérrez Merino, teólogo, sacerdote, dominicano e fervoroso defensor dos pobres. Gutiérrez faleceu nesta terça-feira (22), em Lima, Peru, aos 96 anos, deixando um legado profundo na Igreja Católica e na vida de milhões de fiéis, especialmente daqueles que sofrem com a exclusão e a pobreza no continente. A notícia foi confirmada pela Província Dominicana de San Juan Bautista do Peru, que também informou que seu sepultamento será realizado na Sala Capitular do Convento de Santo Domingo, em Lima.

Gutiérrez, frequentemente chamado de “pai da Teologia da Libertação”, foi muito mais do que um teólogo. Ele foi um pensador e um homem de ação, comprometido em integrar a fé com a vida real, particularmente a vida dos pobres. Gutiérrez cunhou a expressão Teologia da Libertação, usada pela primeira vez em 1968, em uma reunião da Conferência Episcopal Latino-Americana em Medellín (Colômbia).

“A teologia é uma reflexão sobre a fé, e o que a fé tem a fazer é mobilizar as pessoas para a mudança. A maior violência é a pobreza”, disse ele.

Como dizer ao pobre que Deus o ama?

Nasceu em Lima, em 8 de junho de 1928, em uma família que conheceu de perto as dificuldades de um sistema econômico e social desigual. Desde a infância, enfrentou a osteomielite, uma doença que o acompanhou por toda a vida, o forçando a usar aparelhos ortopédicos e, posteriormente, uma cadeira de rodas. Essa experiência pessoal com o sofrimento contribuiu para sua sensibilidade única aos mais vulneráveis e à sua profunda reflexão sobre o papel da fé no alívio das dores humanas. Era formado em medicina, filosofia e literatura na Universidad Nacional Mayor de San Marcos.

Gutiérrez sempre acreditou que “a pobreza não é sinal de virtude, mas de injustiça”, e essa convicção guiou seu trabalho, tanto no pensamento quanto na ação pastoral. Em paróquias humildes de Lima, como no bairro de Rímac, ele construiu uma comunidade comprometida com o Evangelho e com a transformação social. Para ele, a opção preferencial pelos pobres não era apenas uma ideia teológica, mas uma resposta concreta ao chamado de Cristo para servir os últimos.

Desde jovem, Gutiérrez encontrou na educação uma forma de servir aos outros. Inspirador de gerações de estudantes, ele foi conselheiro da União Nacional dos Estudantes Católicos (UNEC) e colaborador de movimentos ligados à Ação Católica, como a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Estudantil Católica (JEC). Através dessas iniciativas, ajudou jovens a refletir sobre a presença de Deus no mundo e a importância de uma práxis cristã que promovesse mudanças sociais. O pensamento de Gutiérrez denuncia o capitalismo, como responsável pelo sofrimento de muitos “irmãos e irmãs humanos”.

A estigmatização conservadora pelo Vaticano

Seu envolvimento nas Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano em Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida foi marcante. Ele foi apoiado por bispos progressistas como Paulo Evaristo Arns e Pedro Casaldáliga, no Brasil, e Oscar Romero, em El Salvador, todos defensores de uma Igreja voltada para os pobres. Contudo, também enfrentou críticas, especialmente de setores conservadores da Igreja, como o arcebispo de Lima, ligado ao Opus Dei, que tentou condenar suas ideias.

Nos anos 2000, Gutiérrez se juntou à Ordem dos Pregadores (dominicanos), encontrando na comunidade dominicana apoio para seguir sua missão. Sob o papado de João Paulo II, sua teologia enfrentou resistência e estigmatização, mas Gutiérrez manteve um diálogo respeitoso com a hierarquia da Igreja. Com a chegada de Jorge Bergoglio ao papado, Gutiérrez encontrou um aliado na defesa de uma Igreja voltada para os pobres.

Seu livro “Teologia da Libertação: Perspectivas”, publicado em 1971 em 20 idiomas, foi um marco, oferecendo uma nova forma de reflexão teológica baseada na experiência dos oprimidos. Publicado no momento em que vigoravam ditaduras militares integrando o continente sul-americano, o pensamento de Gutiérrez mobilizou lideranças católicas na resistência a esses regimes. A obra influenciou teólogos e ativistas ao redor do mundo, tornando-se um alicerce para a atuação de muitos que buscam a justiça social a partir da fé. Sua trajetória acadêmica lhe rendeu mais de 30 doutorados honorários e prêmios, como o Prêmio Príncipe das Astúrias e o Prêmio Yves Congar de Excelência Teológica.

A morte de Gustavo Gutiérrez marca o fim de uma era, mas seu legado permanece vivo. Suas ideias continuam a ressoar em comunidades cristãs de base, movimentos sociais e redes de leigos que acreditam na construção de um mundo mais justo. Sua vida foi um testemunho de que o Evangelho é, acima de tudo, um chamado à libertação.

Autor
Blog do Mamede

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