Em diversas cidades do Brasil, manifestantes pediram respeito aos direitos adquiridos desde 1940 e salientaram que proposta da extrema direita prejudica principalmente meninas
Publicado pelo Portal Vermelho
A aprovação-relâmpago do requerimento de urgência, na Câmara, para a tramitação do absurdo projeto de lei que iguala o aborto após a 22ª semana de gravidez ao crime de homicídio, inclusive quando resultante de estupro, levou milhares de mulheres às ruas em diversas cidades do país — entre as quais São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília — nesta quinta-feira (13).
Os atos também foram chamados para as cidades de Belo Horizonte (MG), Recife (PL), Vitória (ES), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Manaus (AM) e João Pessoa (PB).
Os manifestantes, formados majoritariamente por mulheres, repudiaram a manobra usada pela extrema-direita e viabilizada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PL-AL), que levou a uma aprovação simbólica (sem votos no painel) do requerimento em apenas 23 segundos, na quarta (12).
Com isso, o projeto não passará pelas comissões e irá direto à votação em plenário, inviabilizando o debate com a sociedade.
Os protestos também rechaçaram o deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto 1904/24, que tem o apoio da bancada da Bíblia, e pediram respeito às mulheres e a garantia, ao menos, dos direitos já previstos em lei.
O aborto legal no Brasil já é bastante restrito, e a proposta consegue piorar essa situação, provocando um retrocesso de pelo menos 84 anos. Em 1940, o Código Penal passou a autorizar, sem penalização, o procedimento nos casos de estupro e risco de vida às grávidas.
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Já a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos passou a ser autorizada em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nestas três situações, não há limite de tempo para o procedimento. Já a proposta estabelece o máximo de 22 semanas.
Segundo especialistas, isso pode inviabilizar o aborto porque é comum meninas novas demorarem para saber que estão grávidas, coloca vidas em risco e, além disso, nem sempre o processo até a sua realização é suficientemente célere.
“Entre essas crianças e meninas adolescentes, a principal causa de morte são justamente as complicações da gravidez. E a segunda é o suicídio devido à depressão, gerado muitas vezes pela situação de vulnerabilidade causada pela violência sexual. Então, o projeto vai condenar essas meninas muitas vezes à morte”, disse, ao UOL, o obstetra Olímpio Moraes, referência na luta pela democratização do aborto no país.
O Conselho Nacional de Saúde advertiu, em nota, que se passar a valer, o projeto fará com que milhares de cidadãs brasileiras percam “o acesso à justiça e segurança jurídica, provenientes das taxativas e excepcionais hipóteses legais de aborto na legislação penal brasileira, o que ampliará os já alarmantes índices de morbimortalidade materna, sobretudo, de cidadãs pobres e negras”.
Criminalização das mulheres
Para ficar ainda mais nefasta, a matéria ainda criminaliza as mulheres que fizerem o procedimento, deixando a pena, contraditoriamente, mais pesada para as vítimas do que para o criminoso.
Segundo as leis vigentes, um estuprador pode ficar preso entre seis e 12 anos; já o projeto estabelece que as vítimas que fizerem aborto após 22 semanas podem ser condenadas entre seis e 20 anos de prisão.
Após a repercussão negativa da aprovação do requerimento e do caráter da proposta, o autor disse que pretende aumentar a pena para o estuprador — como se isso resolvesse a criminalização das mulheres.
Outro ponto ressaltado nos protestos — com palavras de ordem como “crianças não são mães, estupradores não são pais”— é o fato de que essa mudança pode prejudicar, em especial, meninas ainda na infância e na adolescência, que são as principais vítimas de estupro no Brasil.
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Segundo o Anuário 2023 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quase 75 mil pessoas (89% do sexo feminino) foram estupradas no Brasil em 2022. Desse total, 61% eram crianças com até 13 anos de idade.
Uma das entidades que mobilizou as mulheres para as manifestações e que tem se dedicado à luta contra o projeto é a União Brasileira de Mulheres (UBM). Em nota, ela convocou a militância a tomar as ruas “contra este nefasto projeto de lei”.
Lembrou, ainda, que o “aborto legal foi uma importante conquista das mulheres brasileiras. É assegurado pela nossa legislação em casos de estupro, fetos anencéfalos e risco de morte da mãe. Não aceitaremos retrocessos. Defendemos incondicionalmente a laicidade do Estado. É pela vida das mulheres e meninas”.
Tramitação
Após a aprovação do requerimento, a proposta será votada no plenário da Câmara e, se passar, seguirá para o Senado. Nesta quinta-feira (13), o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou que “uma matéria dessa natureza jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado Federal”.
Ele completou dizendo que a proposta deve “ser submetida às comissões próprias e é muito importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso”.
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