Categories: Sem categoria

Plano Nacional de Educação: uma conquista do movimento social

Spread the love

O Plano Nacional de Educação (PNE) que, depois de tramitar por três anos e meio, aguarda a sanção presidencial para enfim chegar às mãos da sociedade, após a aprovação final do Plenário da Câmara concluída nesta semana, foi construído pelas mãos dessa própria sociedade.

Por Madalena Guasco Peixoto*

 

Plano Nacional de Educação: uma conquista do movimento social

Ao longo de todo esse tempo em que o projeto de lei tramitou no Congresso Nacional e muito antes disso, desde os preparativos para a Primeira Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010, as entidades nacionais que defendem o fortalecimento da educação pública e os movimentos sociais tiveram papel não apenas essencial, mas também protagonista na discussão de investimentos e políticas públicas para a educação brasileira, a fim de fortalecê-la como direito de cada cidadão, dever do Estado e instrumento de desenvolvimento e construção da soberania nacional.

A Conae/2010 se constituiu como um dos mais importantes espaços para a discussão sobre os rumos que o país deveria tomar em todos os níveis de ensino. Foi dela que, com a intensa participação e contribuição das entidades nacionais e dos movimentos sociais, saíram as diretrizes que deram origem ao PNE aprovado nesta semana, através da organização das prioridades e metas a serem alcançadas nos próximos dez anos.

Sempre se tratou – e essa condição permanece – de um grande desafio, sobretudo se confrontado ao PNE anterior, que vigorou de 2001 a 2010 e cujas propostas pouco foram cumpridas. Há que se lembrar de que a meta de investimentos de 7% do Produto Interno Bruto em educação, aliás, foi vetada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Sem verba definida, dificultaram-se tanto as ações dos governos municipais e estaduais quanto a cobrança do Ministério da Educação pelo seu cumprimento. Isso sem falar que a maioria dos municípios e estados não aprovou uma legislação que garantisse recursos para a execução das ações nem punição para quem as descumprisse.

A meta de investimentos de 10% do PIB para a educação pública assegurada agora no novo PNE – recursos que, devidamente administrados, serão responsáveis pela garantia de todas as outras 19 metas do plano – é fruto de um amplo processo democrático e da luta incansável das entidades e movimentos. É por causa dessa luta (travada na Conae, no Congresso, no Fórum Nacional de Educação – que foi uma importante conquista e um espaço de discussão e construção de políticas públicas que precisa ser fortalecido –, nas entidades, nas ruas) que se consolidou um PNE muito melhor do que aquele enviado em 2010 ao Congresso Nacional, o qual não contemplava todas as deliberações da Conferência Nacional de Educação, nem sequer o montante de verbas públicas reivindicadas para a garantia de uma educação pública e gratuita de qualidade.

É claro que a proposta original já trazia alguns avanços, dentre os quais a constituição do Fórum Nacional de Educação e a previsão da realização das conferências. Por outro lado, o projeto de lei foi apresentado ignorando a discussão anterior com a coordenação da Conae, e abarcando algumas questões críticas, como a utilização do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para avaliar a qualidade do ensino e a falta de uma definição e regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados. Além disso, a primeira versão da matéria, na verdade, determinava os mesmos 7% do PIB de investimentos aprovados – e vetados – no PNE anterior. Trocando em miúdos, o que a proposta fazia era tornar expressa em seu texto a confirmação do atraso de uma década.

Esse quadro só foi revertido, mais uma vez, pela ação das entidades nacionais e dos movimentos sociais, que, a partir de muita mobilização, conseguiram que a Câmara dos Deputados, em 2012, aprovasse a ampliação do investimento para 10% do PIB, a serem destinados exclusivamente à educação pública. Tal conquista foi desfigurada no fim do ano passado pelo Senado Federal, o qual, ao retirar a palavra “pública” do texto, deixou manifesta sua intenção de abrir as portas para o escoamento de recursos públicos para o setor privatista. Essa modificação foi combinada à substituição da expansão de vagas públicas nos ensinos superior e técnico-profissionalizante por vagas gratuitas, com o mesmo objetivo de contemplar os empresários do setor privado. Mais uma vez, foi imprescindível o brado da sociedade civil organizada, através de suas entidades e movimentos, para desfazer tamanho prejuízo. O esforço, porém, foi recompensado e os danos aprovados pelos senadores foram rejeitados na nova votação da Câmara.

Em resumo, após quase quatro anos, o Brasil tem um novo PNE. O movimento social que sempre lutou pela criação e pelo fortalecimento de um sistema público de educação – tarefa republicana ainda não efetivada no Brasil – conseguiu vitórias importantes neste processo de aprovação da lei. Enfrentamos o debate de ampliação da oferta pública e gratuita da educação e vencemos! Lutamos por metas de valorização do magistério e vencemos! Vencemos também ao conseguir incluir o Custo Aluno-Qualidade, assim como estratégias e metas importante de qualificação e valorização dos profissionais da educação pública e privada. O Senado, que tinha desfigurado o projeto, foi derrotado e o substitutivo aprovado no Plenário da Câmara, no geral, fortalece a educação pública e democrática.

Em muitas coisas não conseguimos avançar, mas em três, em particular, fomos derrotados. A primeira diz respeito à visão sistêmica da educação garantida pela Constituição, que entende que as leis da educação devem valer tanto para a rede pública quanto para o setor privado. Pela ação agressiva dos setores privados junto ao Parlamento, pouco se avançou no PNE para que este princípio fosse garantido também nas metas de valorização profissional e gestão democrática.

A segunda, por sua vez, se deve ao retrocesso em termos de uma educação não discriminatória, visto que a ação de setores conservadores tirou do texto a referência a um ensino não sexista e não homofóbico, bem como ao combate a outros tipos de discriminação. Já a terceira se refere à perda em relação à exclusividade das verbas públicas para a educação pública, uma vez que foi mantida no texto a contabilização os recursos das parcerias público-privadas, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), além das creches e pré-escolas conveniadas, como investimento público em educação. Sobre esse ponto em especial, é preciso ressalvar, porém, que, com exceção do Pronatec e das creches os outros programas não usam verba da educação para sua efetivação, e sim isenção de impostos.

Ainda em relação a esse item, destacamos a atuação da bancada do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que, fazendo jus à sua história de décadas em defesa do povo, votou ao lado das entidades nacionais defensoras da educação e dos movimentos sociais para que os investimentos fossem de fato aplicados na escola pública. Perdemos no voto, mas ganhamos no valor da batalha e na preservação dos ideais.

Nossa luta agora é pela efetivação de um Sistema Nacional de Educação (SNE) que regulamente a educação pública e a privada – questão, como já mencionado, que ficou fora do PNE – e que garanta que, em regime de colaboração, as metas do Plano Nacional possam ser executadas nos estados e municípios. O PNE traça os objetivos, mas sua implementação é responsabilidade conjunta dos diferentes níveis de governo, que precisam agora criar ou adequar seus planos de ação municipais e estaduais. Cabe a nós, sociedade civil organizada, acompanhar o cumprimento das metas aprovadas e buscar fortalecer os fóruns municiais e estaduais para que tais metas se tornem realidade. Daqui em diante, tão logo o PNE seja sancionado, nossa tarefa é exercer o efetivo controle social para assegurar o cumprimento do plano e o direito de cada cidadão brasileiro à educação pública de qualidade.

*Coordenadora-geral da Contee, responsável pela coordenação de Educação do Comitê central do PCdoB.

 

Portal Vermelho

Blog do Mamede

Recent Posts

STF condena mais 14 réus pelos atos antidemocráticos que recusaram acordo com o Ministério Público

STF condena mais 14 réus pelos atos antidemocráticos que recusaram acordo com o Ministério Público…

8 horas ago

Bolsonaro deve explicações ao Brasil, além de pagar pelos seus crimes

Nota: Bolsonaro deve explicações ao Brasil, além de pagar pelos seus crimes Punição para todos…

9 horas ago

20 de novembro: Um chamado à luta por espaços de poder e representatividade

20 de novembro: Um chamado à luta por espaços de poder e representatividade É essencial…

9 horas ago

Boletins de crimes raciais crescem 968,5% em SP, aponta relatório

Boletins de crimes raciais crescem 968,5% em SP, aponta relatório   Ouvidoria das Polícias estadual…

9 horas ago

Plano para assassinar Lula foi discutido na casa de Braga Netto, diz Cid

Plano para assassinar Lula foi discutido na casa de Braga Netto, diz Cid   PF…

9 horas ago

Mercado de trabalho, a evidente discriminação e desigualdade racial

Mercado de trabalho, a evidente discriminação e desigualdade racial   É preciso desenvolvimento com valorização…

9 horas ago