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Por sobrevivência política, Milei muda retórica contra Brasil e China

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Por sobrevivência política, Milei muda retórica contra Brasil e China

 

Para professora de Relações Internacionais da Unifesp, complexidade da situação argentina e papel do Brasil e da China impõem limites reais ao presidente eleito

 

Foto: reprodução/Pagina12

Passado o período eleitoral, em que a radicalização foi a tônica dos discursos de Javier Milei para conquistar seu eleitorado, a realidade concreta parece estar trazendo uma pitada de bom-senso ao histriônico presidente eleito. Afinal, para além das bravatas próprias da “nova extrema-direita”, ele precisa sobreviver politicamente e lidar com a grave crise que assola a Argentina, o que inclui manter algum nível de relação com países estratégicos para esta empreitada.

Durante a campanha, além de atacar Lula, Milei disse, entre outras coisas, que não se relacionaria com “países comunistas”, como classifica tanto a China quanto o Brasil. Depois de vencer o segundo turno no último domingo (19), sua possível futura ministra de Relações Exteriores, Diana Mondino, chegou a declarar que vai parar de “interagir” com os dois países.

“No período eleitoral, Milei usou essa estratégia para garantir os votos da direita radical, mas para que ele realmente se elegesse, ele também precisou encampar as posições da (ex-ministra) Patrícia Bullrich e do (ex-presidente Maurício) Macri. Com isso, ele também passou a representar uma direita mais conservadora e tradicional, que é favorável à liberalização comercial independentemente de com qual país seja e que não faz tanta distinção político-ideológica em termos econômicos”, explicou, ao Portal Vermelho,  a professora de Relações Internacionais da Unifesp e doutora em Integração da América Latina pela USP, Regiane Bressan.

Leia também: Desmonte do Estado, dolarização, mordaça e porrete: a motosserra de Milei

Ou seja, a viabilidade dessa quebra de diálogo, seja em termos políticos, seja em termos econômicos, parece pouco provável. O Brasil e a Argentina completaram, em 2023,  200 anos de relações diplomáticas, iniciadas no dia 25 de junho de 1823, quando a Argentina, então chamada de Províncias Unidas do Sul, foi o primeiro país a reconhecer a Independência brasileira.

Além das históricas relações entre os dois vizinhos, é preciso lembrar que, no âmbito comercial, somente nos primeiros meses deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 14,9 bilhões, alta de 13,1% em relação ao mesmo período de 2022. No sentido inverso, as importações somaram US$ 10,1 bilhões. Portanto, o Brasil é o principal cliente da Argentina e seu segundo maior fornecedor, perdendo, apenas e justamente, para a China.

A professora aponta que, em termos políticos, a Argentina talvez se distancie de países como Venezuela, Colômbia e Chile. “Acho que o Milei pode acabar endurecendo um pouco o tom, com uma postura de se isolar da região. Mas, em relação ao Brasil, acho que não vai ter como negar as oportunidades econômicas, já que uma parte importante das exportações da Argentina vem para o Brasil”.

Não à toa, Milei “já vem atenuando o tom e deve continuar as relações com o Brasil em termos, sobretudo, econômicos, visando a liberalização comercial, que é uma das suas bandeiras mais fortes”, pontuou Regiane.

Nesta quarta-feira (22), Milei declarou que “se Lula vier (à posse), será muito bem-vindo”. Diana Mondino, por sua vez, disse que o presidente brasileiro será convidado e que “o Brasil e a Argentina sempre estiveram juntos e sempre trabalharão juntos”.

China

No caso da China, segundo estudo do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), o país asiático fez investimentos de US$ 1,34 bilhão na Argentina em 2022 — contra US$ 1,30 bilhão no Brasil. Além disso, o vizinho foi o primeiro país da América Latina a integrar a chamada “Nova Rota da Seda”, projeto desenvolvimentista chinês, e passará a fazer parte do Brics a partir do ano que vem, com forte apoio da China para sua entrada.

É importante ressaltar, ainda, o peso das recentes iniciativas do país asiático para viabilizar o pagamento da dívida argentina junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em outubro, a China ratificou a ampliação de um acordo de swap no valor de 47 bilhões de yuans (ou cerca de US$ 6,5 bilhões).

Leia tambémVitória da ultradireita na Argentina prejudica articulação sul-americana

Passando por cima das fanfarrices de Milei, o presidente chinês Xi Jinping declarou, nesta quinta-feira (23): “Eu aprecio muito o desenvolvimento das relações China-Argentina e estou disposto a trabalhar com Milei para levar adiante nossa amizade, impulsionar o desenvolvimento e a revitalização dos dois países por meio de uma cooperação de benefício mútuo e promover o crescimento sólido e sustentável das relações China-Argentina, a fim de melhor beneficiar os povos dos dois países”.

Após carta de Xi Jinping enviada ao presidente eleito, Milei declarou, de forma mais amena pelas redes sociais nesta quarta: “Agradeço ao presidente Xi Jinping as felicitações e votos que me enviou através de sua carta. Envio os meus mais sinceros desejos de bem-estar para o povo da China”.

Para a professora Regiane, “a condição econômica da Argentina é muito complexa. Milei não pode atuar à revelia de toda a ajuda que a China vem dando. A China assumiu a dívida externa com o FMI, e isso é muito nobre”. E salienta: “Apesar dele se dizer anarco-capitalista, a Argentina não vai entrar numa ‘anarquia econômica’, isso dificilmente vai acontecer”.

Blog do Mamede

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