A Academia Catalana de Letras tem observado que, na narrativa histórica tradicional, o espaço reservado a mulher é bastante limitado. Em função da perspectiva masculina, resta somente ao mundo feminino o papel de esposa, participante apenas indireta dos acontecimentos. Ao homem, geralmente cabem iniciativas políticas, econômicas e sociais. À mulher competem tarefas domésticas, obrigações com os filhos, além dos serviços de caráter religioso.
Na contramão dessa perspectiva, vale a pena resgatar a vida de algumas mulheres que, cada uma a seu modo, merecem destaque na história de Catalão. Pode-se começar, por exemplo, com Rita Paranhos Bretas e com Dilena Sampaio.
A primeira, viúva aos 25 anos de idade, levou uma vida de trabalho rotineiro, grande esforço e preocupações. Foi porteira servente do primeiro grupo escolar de Catalão, estabelecimento que depois foi batizado com o seu nome: Grupo Escolar Rita Paranhos Bretas.
Foto: Rita Bretas/Acervo Luís Estevam
A segunda, Dilena Sampaio, órfã de pai desde muito criança, desenvolveu uma admirável bagagem cultural, colaborando em diversos jornais de São Paulo, a ponto de pertencer à União Brasileira de Escritores e de se tornar sócia da Associação Brasileira de Imprensa.
Duas mulheres memoráveis e duas trajetórias diferentes. Porém, ambas com a sensibilidade, a desenvoltura e a beleza peculiar das filhas de Catalão.
Rita Esmeraldina Paranhos, conhecida como Ritinha, era filha de um neto do senador Antonio Paranhos, que levava o mesmo nome do avô, e de Amélia Júlia de Campos, irmã do advogado e professor Randolfo Campos. O pai de Ritinha morreu novo numa epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro e, logo depois, sua mãe veio morar com a sogra em Catalão trazendo os filhos ainda pequenos. Ritinha tinha sete anos de idade quando passou a receber uma formação fidalga na casa da família do coronel Paranhos.
Sua avó, por parte de pai, conhecida como Benzinho, era uma das filhas diletas do senador assassinado, tendo demonstrado, na fatídica ocasião, coragem e disposição admiráveis. O escritor Ivan Sant’Anna conta que, no dia da morte do senador, suas filhas enfrentaram o perigo e arrastaram o pai baleado, ainda recolhendo depois o sangue do morto na rua central de Catalão. No livro Herança de Sangue, o escritor narrou que “o cadáver do senador permaneceu ali, até que duas de suas filhas, Dó e Benzinho, decidiram resgatá-lo. Foram até lá e arrastaram o corpo até o sobrado da família. Numa segunda viagem recolheram, em suas saias, a terra empapada de sangue do coronel, para que não fosse profanada pelos assassinos”.
É que, na época, os jagunços, rudes e grosseiros, tinham o costume execrável de profanar até mesmo o sangue de suas vítimas.
Foto: Colégio Rita Bretas em Construção/Acervo Luís Estevam
Assim Benzinho, a avó de Rita, mulher sofrida e autoritária, criou-a com todos os requintes de etiqueta social, tanto na linguagem como na postura e atitudes. Fez dela uma moça fina, de educação privilegiada, o que combinava com a beleza da neta.
Rita se casou com o médico Enéas Tolentino de Figueiredo Bretas, em 1903, em concorrida festança realizada em Catalão. Todavia, menos de uma década depois, seu marido contraiu uma violenta febre vindo a falecer. A partir de então, Rita Paranhos Bretas tornou-se a chefe da família, tendo quatro filhos pequenos para criar. Resoluta, ainda aos 25 anos de idade, enfrentou a vida. Conseguiu emprego no primeiro grupo escolar de Catalão, criado em 1923, ocupando o humilde cargo de porteira servente, cuidando do asseio e limpeza do estabelecimento, sendo respeitada, admirada e estimada pelos professores e alunos.
Em consequência do árduo serviço, adquiriu reumatismo muscular, mas mesmo assim continuou trabalhando com assiduidade até a sua aposentadoria, vindo a falecer em 1951, aos 64 anos de idade. No depoimento de Maria das Dores Campos, que foi diretora daquela escola, Ritinha era “a minha defensora, minha conselheira, nos grandes e pequenos problemas diários e constantes, quando na direção daquela casa de ensino. Além disso, corrigia e ensinava aos alunos boas maneiras e etiqueta social, o que fazia ocupando aulas vagas, dando-lhes conselhos sábios, na sua voz firme e atitude fidalga. Sua vida foi um modelo de dedicação e trabalho”.
Hoje, o antigo Grupo Escolar Rita Paranhos Bretas, que se situava abaixo da cadeia pública de Catalão, virou Escola Estadual Rita Paranhos Bretas no bairro Castelo Branco.
A catalana Dilena Sampaio, por sua vez, também foi uma mulher admirável. Teve uma vida intelectual bastante dinâmica e proveitosa, sendo reconhecida nacionalmente como poetisa e como jornalista. Desde nova, mudou-se de Catalão para São Paulo onde residiu com os filhos e o marido.
Dilena era filha de Dolival Diógenes Sampaio e Flaviana Costa Sampaio, tendo nascido em Catalão em 1924. Fez aqui os seus primeiros estudos onde permaneceu, por mais de uma década, no Colégio Mãe de Deus. Ficara órfã de pai ainda muito criança e sua mãe se casou pela segunda vez com José Matias de Souza Júnior. De acordo com a escritora Maria das Dores Campos, em seu livro Gente Nossa, o padrasto de Dilena “gostava muito de declamar poesias, gosto esse que influiu na pequena Dilena que, desde muito jovem se entusiasmara também por versos e poesias”.
Aos 22 anos Dilena se casou com Dirceu Antonascio passando a residir em Santos e depois na capital paulistana. O casal teve seis filhos: Rachel, Isabel, Dolival, Lucilivia, Dirceu e Laura.
Foto: Dilena Sampaio/Acervo Luís Sampaio
Dilena Sampaio, apesar dos intensos afazeres e tarefas domésticas, não parou de estudar. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais e fez o curso de Teoria Literária especializando-se em línguas estrangeiras. Teve o seu trabalho reconhecido como escritora e teatróloga. Recebeu Medalha com o Colar da Ordem “General Rondon” no grau de Comendadora, além de outros prêmios e medalhas como a de José Bonifácio de Andrada e Silva. Na condição de jornalista e escritora foi sócia benemérita da Associação Brasileira de Imprensa e pertenceu a União Brasileira de Escritores e a União Brasileira de Imprensa.
Catalão hoje se orgulha de resgatar e de revisitar, mesmo que resumidamente, a vida de uma filha tão importante e, ao mesmo tempo tão modesta, que abrilhantou o nome da cidade nos centros culturais mais adiantados do país. Inteligente e culta, Dilena Sampaio Antonascio soube cuidar da meia dúzia de filhos, sem deixar de exercer a arte literária e outros afazeres profissionais. Além de poetisa e jornalista, foi advogada e contadora. Sua obra artística continua viva e fácil de encontrar nos meios digitais da atualidade. Vale a pena conferir.
Por:Luís Estevam
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