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Flávio Dino: o governo Bolsonaro é para poucos, para os mais ricos

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Em entrevista ao HuffPost, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) avalia que o governo Bolsonaro não preocupação com a maioria da sociedade. “Um governo para poucos, para os mais ricos, de concentração de riqueza nas mãos de poucos. Isso obviamente é a negação da democracia”, afirmou. Dino falou também sobre o ex-presidente Lula, a quem comparou com Nelson Mandela, ao dizer que ele poderia unir o país “depois de tantos traumas, fraturas, polarizações e divisões”

O governador considera que Jair Bolsonaro tem uma gestão de “atrapalhada” e criticou sua postura “beligerante” e a falta de contato com governadores. Destacou que não só ele, mas nenhum colega de governo estadual foi ouvido na elaboração da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de Pacto Federativo, apresentado pela equipe econômica ao Congresso na semana passada. A proposta muda a configuração do Estado e busca alterar a composição dos municípios brasileiros.
Dino também lamentou a nova posição diplomática do Brasil e a existência de um “pequeno” núcleo antidemocrático orbitando o Palácio do Planalto. Fez diversas análises do cenário político e jurídico atual com base na História do Brasil e do mundo.

Sobre Lula, Flavio Dino disse que: “Se ele puder ser candidato [em 2022], certamente esse é meu voto e continuarei falando que acredito que isso seria bom para o Brasil. Por simetria, compararia ao governo do [Nelson] Mandela, na África do Sul. Acho que ele cumpriria esse papel, depois de tantos traumas, fraturas, polarizações e divisões, acho que ele seria um governo de união nacional.”

A declaração é do governador do Maranhão, Flávio Dino, ao se referir ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à possibilidade de tê-lo como candidato à Presidência da República em 2022.

O governador recebeu a jornalista Débora Álvares, do HuffPost, no Palácio dos Leões, no centro histórico de São Luís, por quase uma hora.

Leia os principais trechos da entrevista: 

HuffPost: O senhor é um dos governadores mais atuantes do Nordeste e da esquerda atualmente. Por outro lado, temos visto no País uma ascensão do conservadorismo e da direita. Qual o senhor acha que é o papel da esquerda neste momento?

Flávio Dino: Em primeiro lugar, um papel de resistência, que temos exercido. Resistência contra retrocessos sociais e econômicos. Em segundo lugar, apresentação de propostas que mostrem caminhos diferentes desse que está sendo adotado pelo governo federal. Acho que temos exercido bem ambos os papéis. Há uma visão muito crítica acerca do que a oposição tem feito, mas eu não me alinho entre aqueles que acham que a oposição ao bolsonarismo tem mais errado que acertado. Basta ver que, na reforma da Previdência, por exemplo, uma série de tragédias profundas foi evitada por mérito da oposição. E temos apresentado ideias, propostas. Agora mesmo apresentamos a nossa proposta de reforma tributária, justa, solidária e sustentável, como chamamos. Nascida com a reflexão do governo sindical e com acordo dos governadores do Nordeste. Mas temos desafios novos à frente: as eleições municipais no ano que vem. Acho que vai ser inevitavelmente uma espécie de plebiscito em relação ao Bolsonaro. Acho que os resultados serão bons para nós.

O senhor acredita que a esquerda rachou em 2018 e precisa se reunificar? 

As divisões fazem parte da vida. Se olhar o campo ideológico oposto ao nosso, da direita, neste momento está mais conflagrado que o nosso. Pessoal olha muito divisões no nosso campo, que eu lamento, às vezes polêmicas acirradas, mas elas não são exclusivas nossas. Se olhar, por exemplo, como está a situação no principal partido do bolsonarismo [PSL], o cenário de guerra de todos contra todos.. Vivemos, na verdade, uma desinstitucionalização, uma desestruturação da política do Brasil, fruto do fim da Nova República. Quer dizer, o paradigma da Nova República, ou seja, o grande impacto construído entre 1979 e 85, entre as greves do ABC e o colégio eleitoral, se construiu um paradigma, um modelo de organização política no Brasil. E esse modelo possibilitou a campanha das diretas, a vitória do presidente Tancredo Neves, uma nova Constituição, e a primeira eleição presidencial de 89.

De lá pra cá se assentou um desenho do quadro partidário. Duas grandes forças, PT e PSDB, que protagonizaram praticamente todas as eleições presidenciais desde então, com exceção de 89, quando foi Lula e Collor, e de 2018, quando foi Haddad e Bolsonaro, todas as demais seis eleições presidenciais que houve no meio do caminho foram protagonizadas por essas duas forças partidárias. E você tinha mais ou menos um desenho, um PMDB forte, e tal. O que aconteceu, fruto daquela jornada de junho de 2013, por um lado, mas sobretudo pela Operação Lava Jato, foi a quebra desse modelo, e isso levou a uma ultrafragmentação do quadro político no Brasil. Então, a crise não é da esquerda. A crise é da política institucional, da extrema direita à esquerda.

Então, portanto, se você pergunta se houve uma espécie de fratura, de quebra, eu te diria que sim. Mas não da esquerda apenas. O que sobrou do PSDB? Teve um desempenho muito pequeno [em 2018]. Estamos falando de um dos maiores partidos brasileiros em décadas. Partido fundamental na vida brasileira nos últimos 30 anos praticamente. Então, é um desafio acho que para todo o sistema político, abrangendo, óbvio, a esquerda. Estamos, sim, diante desse desafio e de uma real reorganização política. Um novo programa, uma certa transição e uma tentativa de reconstruir a política no Brasil…

A vitória do Bolsonaro é causa de muitos problemas, mas sobretudo é sintoma de muitos problemas, essa crise de representação, de legitimação do sistema institucional… Isso é mais ou menos clássico na literatura política. Operação Mãos Limpas, na Itália, conduziu ao [Silvio] Berlusconi. Eu dizia isto o tempo todo: resta saber quem vai ser o nosso Berlusconi. E acabou sendo o Bolsonaro. A desinstitucionalização da política, no mundo, nos anos 20 e 30, pós Primeira Guerra, conduziu a Hitler e [Benito] Mussolini e à Segunda Guerra. Então isso é mais ou menos um manual. Você conhece um pouco teoria política, ciência, História, você sabe que essas crises institucionais agudas como a que o Brasil viveu e vive em certo sentido conduzem a esse tipo de radicalização, polarização, sectarização, extremismo, belicismo, todos esses “ismos” que estamos vendo e que a gente sintetiza em uma palavra só chamada “fascismo”.

Portanto, respondendo objetivamente: é necessário colar pedaços no nosso campo e temos alguns segmentos poderosos para fazer essa colagem. Acho que dois são imprescindíveis. Um é o debate programático, a visão prospectiva sobre o Brasil. E a outra é a coordenação disto. Felizmente estamos recuperando o único líder legitimado a conduzir essa colagem, que é o Lula. E isso aponta para uma retomada, para um salto de qualidade, porque pela sua autoridade única e experiência única é a pessoa credenciada para conduzir este novo momento da esquerda no País.

Pois é, o senhor falou no Lula… Como o senhor viu a decisão do STF sobre a segunda instância?

O Supremo julgou nos termos do que está escrito na Constituição e no Código de Processo Penal. A Constituição prevê, e foi uma opção do constituinte consciente, em razão da superação da ditadura militar. É importante entender que a nossa Constituição, assim como as Constituições europeias da Itália, da França, da Alemanha pós Segunda Guerra, ou a Constituição portuguesa de 1976 pós-Salazar, a espanhola, de 1978, pós Francisco Franco, são constituições construídas sobre uma base histórica em busca de uma superação de uma herança ditatorial. Em todos esses paradigmas históricos, há preocupação com a proteção do cidadão, porque são constituições de transição de regimes ditatoriais. 88, no Brasil, a mesma coisa. Havia uma preocupação toda especial com a proteção dos direitos individuais sociais contra uma perspectiva autoritária.

E é nesse contexto que é feita a opção pela presunção de inocência ou de não culpabilidade até o trânsito em julgado. Ou seja, foi uma opção consciente que tinha uma razão de ser histórica, que era dar uma proteção master ao cidadão perante eventuais atos arbitrários de agentes estatais. Isso depois foi corroborado no Código de Processo Penal expressamente; o artigo 283 é taxativo ao dizer como uma pessoa pode ser presa, em flagrante, em prisão preventiva ou temporária. Se tiver atrapalhando uma investigação, ameaçando uma testemunha, destruindo uma prova, pode ser presa antes do curso do processo do inquérito, e a prisão em face do trânsito em julgado. Ou seja, não existe no sistema jurídico brasileiro, nem na Constituição, nem no Código de Processo Penal essa invenção de execução provisória de sentença. Não está escrito em canto nenhum.

Vivemos em um sistema, no caso brasileiro e da maioria dos países do Ocidente, em que temos o primado do princípio da legalidade, ou seja, o juiz é aplicador da lei. Claro que ele interpreta, mas não é uma interpretação livre. É uma interpretação dentro de um trilho, e esse trilho é definido pela Constituição e pelas leis. Então, a chamada execução provisória que inventaram, no caso do ex-presidente Lula e outras tantas, ela não se insere nesse trilho.

Você pode construir outro trilho? Claro. Mas não um juiz ou mesmo um conjunto de juízes. Só quem pode construir um outro trilho é o Congresso Nacional. E foi isso que o Supremo decidiu. Ou seja, a Constituição e o Código de Processo Penal estão valendo. Ótimo. Decisão acertada do Supremo.

Há uma visão dos que se opõem a isso segundo a qual isso conduziria à impunidade. Os fatores de impunidade são diversos. Não é em razão de haver ou não trânsito em julgado que você aumenta a impunidade. Até porque, em casos mais graves, como crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, é óbvio que neste caso, não precisa aguardar o trânsito em julgado exatamente porque existe a prisão preventiva. O sistema jurídico tem remédios que impedem que essa pessoa fique solta no curso do processo.
Então é absolutamente falso, falacioso, dizer que o trânsito em julgado vai implicar que o serial killer vai ficar solto. Só se quiserem. Quem? Se os juízes quiserem. Os agentes que decidem se um caso se enquadra ou não na prisão preventiva e temporária são juízes. Então, não é questão que caiba ao sistema político. E sim nestes casos em que obviamente, aí sim, o réu ficando solto oferece ameaça à sociedade, o mesmo Código de Processo Penal dá os instrumentos de você evitar…
Vamos imaginar o crime chamado de colarinho branco. O cidadão está ameaçando uma testemunha. Vamos imaginar um porteiro sumido, ou alguém destruindo um documento, o cidadão foi lá na Suíça, lá no banco, para apagar. Ele não só pode, como deve ser preso. Isso chama prisão preventiva, está na lei. É absolutamente falacioso esse argumento segundo o qual a decisão do Supremo vai conduzir a uma espécie de ‘liberou geral’. Depende do juiz. Eu espero que não conduza ao ‘liberou geral’.

O senhor se referiu ao ex-presidente Lula como um líder maior da esquerda. A esquerda ainda não conseguiu criar um outro nome para substituí-lo. Por que o ex-presidente é essa figura que aglutinaria todos?

Porque ele é uma figura realmente especial. A História dos povos é feita assim. Se eu te fizesse um desafio agora de me dar o nome de cinco presidentes dos Estados Unidos, você lembraria de cinco. Mas se eu te pedisse 20, você não lembraria, nem eu ia lembrar. Mas nós lembraríamos de cinco, do Obama, do Lincoln, do Roosevelt etc, porque são figuras marcantes. Se você me pedisse o nome de 20 presidentes ou primeiros-ministros franceses, eu não saberia. Mas se me dissesse para falar três…
A História dos povos é feita assim. Em todas as nações, têm líderes que sobressaem. Não é uma característica brasileira. Nem é um mal. Acho que é um privilégio do Brasil ter um líder preparado, com a história de vida, com a experiência e com a projeção mundial que o ex-presidente Lula tem. Acho isso um patrimônio brasileiro. Assim como acho muito importante que nós tenhamos tido Juscelino Kubitschek lá atrás. Então, não é uma anomalia da esquerda. Agora, é claro que o presidente Lula não é eterno e você tem que passar por um processo de renovação de quadros. Mas volto ao mesmo argumento, no sentido de que isso não é um ponto de interrogação específico para a esquerda.
Também essa dificuldade de formação de quadros está em todos os campos políticos. Tanto que Bolsonaro é o presidente da República, temos sempre que lembrar disso [risos]. Então essa é a prova digamos cabal e definitiva de que nós temos um problema de formação de quadros políticos. Espero que essa renovação, credenciamento de lideranças, ocorra na esquerda, mas ocorra no País de modo geral, também na direita. Acho que a direita pode ter líderes melhores…

Governador, Lula 2022?

Se ele puder ser candidato, certamente esse é meu voto e continuarei falando que acredito que isso seria bom para o Brasil. Acredito que ele faria um governo de união nacional, uma espécie de… [pensa] Por simetria, claro que é uma analogia, não é exata, mas compararia ao governo do Mandela, na África do Sul. Acho que ele cumpriria esse papel, depois de tantos traumas, fraturas, polarizações e divisões, acho que ele seria um governo de união nacional. Isso se ele puder novamente ser candidato, é o meu candidato. Estarei fazendo campanha com muita determinação, terá meu voto, sendo governador ou não, é meu voto pessoal. E espero que ele possa se candidatar.

No início do ano, o presidente Jair Bolsonaro se referiu ao senhor como “paraíba”. Ficou ressentimento?

Não, porque considerei uma honraria duplamente. Primeiro porque eu tenho orgulho do Nordeste. Segundo porque ele me considerar o pior governador, para mim, é um diploma de honra ao mérito. Porque de fato nós somos diferentes. Eu ficaria preocupado se ele dissesse que eu sou igual a ele, que ele me acha o melhor governador. Aí eu ficaria preocupado. De fato acreditamos em coisas não só diferentes, antagônicas. O modelo de sociedade em que ele acredita é totalmente diferente do modelo de sociedade no qual eu acredito. Então eu considerei um elogio.

O senhor tem notado alguma diferença no tratamento dado pelo Executivo ao Maranhão pelo fato de o senhor ser de esquerda, do PCdoB, que é um partido tachado pelo presidente como comunista e rival?

Objetivamente não por uma razão: esse afastamento dele [Bolsonaro] se dá em relação a todos os governadores. Pode ter um ou outro, porque sempre toda regra tem exceção. De um modo geral, o que notamos é que há um afastamento em relação a tudo e a todos. Houve isso em relação à reforma da Previdência. Nós somos governadores, e só após a apresentação da proposta ao Congresso é que houve uma apresentação da proposta a nós. E isso porque dizia respeito diretamente a questões que impactavam estados e municípios.

Agora nesse pacote econômico lançado nesta semana, absolutamente ninguém foi ouvido, ninguém foi consultado, não houve uma reunião de governadores prévia ou posterior para apresentação deste conjunto de ideias. Então eu não posso me considerar discriminado, porque na verdade eu teria que me inserir num conjunto de discriminados. Uma questão grave como essa, um pacote para reconstruir o Estado, um novo pacto federativo, quer dizer uma coisa realmente inusitada. Querem reconstruir um pacto federativo em que os entes federados não são ouvidos, nem estados nem municípios.

Em razão desse insulamento, desse isolacionismo e belicismo que o governo federal pratica permanentemente, eu não me considero discriminado. De fato é, o padrão de relacionamento. É essa a distância e vamos seguindo a vida e ver o que se permite.

Questões orçamentárias também não foram afetadas?

Não, porque na verdade as políticas já pactuadas estão sendo executadas no governo do estado. Convênios que já tínhamos das épocas do [Michel] Temer, da Dilma [Rousseff], do próprio Lula. Coisas mais longas, obras. Essas continuam, nunca houve paralisação. Por exemplo: eu tenho uma operação de crédito com o Banco do Brasil, por hipótese, com o BNDES, e isso continua. Todos os atos jurídicos feitos anteriormente têm sido respeitados. O que não há são novos. Mas também não há praticamente com ninguém [outro estado].

Como o senhor avalia de forma geral estes 11 primeiros meses do governo Bolsonaro? O senhor destacaria algo? Como o senhor acha que está o Brasil?

Acho um governo muito desorganizado, que não conseguiu estabilizar sequer uma equipe, tem uma permanente porta giratória, ninguém nunca sabe quem está entrando e quem está saindo. É muito confuso neste aspecto. E é um governo que não tem preocupação com a maioria da sociedade. Um governo para poucos, para os mais ricos, de concentração de riqueza nas mãos de poucos. Isso obviamente é a negação da democracia. Qual é a crise democrática no planeta? É a crise da hiperconcentração de riqueza nas mãos de poucos. Essa é a raiz fundamental de todas as crises na Europa, nos nossos países vizinhos, e no caso do Chile é bem visível isso. Então, na medida em que o governo adota isso como referência, é claro que ele está no caminho errado.

Estamos vendo isso no plano dos resultados, pífios. Não tem praticamente nada. Governo pode fazer balanços e mais balanços e não tem nada para apresentar. Apresenta redução de criminalidade… Minha gente, vamos combinar: quem reduziu criminalidade no Brasil são os estados. Reduzir homicídio no Brasil, que já vinha reduzindo, por conta dos governos estaduais.

Perguntei qual a contribuição do governo federal para a redução de taxa de homicídio. Então, até o que eles apresentam como feito é feito alheio. O governo está sem resultados. Infelizmente. Eu lamento como brasileiro. Mesmo sendo de posição política bem diferente da minha, eu gostaria que tivesse acertos, porque é importante para a população, é importante para a sociedade. Mas não há.

O que eles tentaram fazer, eles se atrapalham, como o negócio do leilão do pré-sal, que era ultra, mega, master leilão e, se não fosse a Petrobras comprar dela própria, ia ser o maior fiasco da História brasileira, talvez da História mundial. Um negócio inusitado, anunciado como uma espécie de pedra filosofal, Santo Graal, que ia garantir o fechamento das contas para o governo federal, e mesmo para estados e municípios, pelo critério da repartição, que é uma regra constitucional. Havia uma expectativa e tanto, que acabou nisto, porque é um governo atrapalhado, que não cultua relações.

Agora retrocedendo seguramente décadas, quiçá séculos da nossa política externa, o governo brasileiro adota uma postura beligerante em relação ao nosso principal parceiro, econômico, político, social, que é a Argentina. É algo realmente inusitado. Vai pra ONU (Organização das Nações Unidas) e se isola, rompendo a tradição diplomática brasileira, que veio da ditadura militar, de uma política externa independente, passou pela ditadura inteira, com Saraiva Guerreiro, com Azeredo da Silveira, e outros ícones da diplomacia, que sempre foi de uma política externa não subalterna, independente, mesmo na ditadura militar. [Aí] O governo brasileiro muda sua posição em relação à Cuba e fica isolado com mais três na ONU. 187 a 3 em relação à questão do bloqueio econômico sobre Cuba, rompendo todos os outros votos que o Brasil deu ao longo de décadas, independentemente de Lula, de Dilma, de PT. Essa era a posição histórica do Brasil.

Por que isso? Porque é essa a visão, belicista, isolacionista etc. É claro que isso não pode dar certo, no aspecto mesmo comercial, econômico, porque produz instabilidade. A falácia do investimento privado… Ele pode existir e eu espero que aconteça, e faço questão de frisar, mas depende de duas coisas essenciais. Primeiro, ninguém investe dinheiro se não for para ter retorno e, para ter retorno, você tem que ter demanda, quem compre produtos e serviços. Se você hiperconcentra a riqueza, você está sabotando o investimento privado. E o segundo, precisa ter uma organização que dê segurança jurídica. E nesse modelo que está aí, de confusão toda hora… Nós que estamos aqui, estamos estressados. Somos meio que acostumados, mas estamos estressados com tanta confusão. Imagina quem está olhando de outro paradigma cultural…

E aí, obviamente, fica difícil acreditar em investimentos não especulativos. Uma coisa é a Bolsa ter ido a 100 mil pontos. Investimento especulativo de curto prazo. Isso aí qualquer um faz. Eu quero saber é de ampliação em infraestrutura, de investimento em geração de emprego. Isso pressupõe que você tenha expectativa de retorno para quem investe, e tem que ter segurança jurídica. Desse jeito que vai, é difícil dar certo. Repito: eu espero que, como Deus é brasileiro, dê certo. Mas é difícil acreditar. Acho que esse fracasso do pré-sal deveria levar a que houvesse um novo modelo de governança.

Deveria haver um aprendizado, mesmo com essa opção ideológica deles. Por exemplo, chamar os governadores, que nunca chamaram. Nunca! Estamos completando um ano de governo. Uma reunião geral de governadores, com a presença do presidente e da equipe, nunca. Houve duas reuniões do Nordeste, uma Recife, uma em Brasília, uma da Amazônia, por conta da crise das queimadas e só, acho.

Na Previdência o Bolsonaro não estava, quem estava foi o [Paulo] Guedes. Estou falando ele, presidente da República. Ele não é chefe do Estado, a autoridade máxima do País? Chamar os 27 governadores e dizer: ‘pessoal, precisamos fazer a economia crescer, temos essa agenda, o que vocês acham?’. Todos os presidentes da República fizeram isso. Todos, sem exceção. Figueiredo, presidente da ditadura militar, ouvia o [Leonel] Brizola, que era governador do Rio de Janeiro. Já que ele gosta tanto de ditadura, que ele se inspirasse no Figueiredo. Pode ser uma boa opinião para ele.

Aproveitando que o senhor mencionou a ditadura, quero encerrar falando do filho do presidente que mencionou o AI-5, o Eduardo Bolsonaro. Depois ele voltou atrás, mas apesar disso, o senhor acredita que a democracia corre perigo com tantas menções a coisas do passado?

Seguramente há um pequeno núcleo que gravita em torno do governo federal que não acredita na democracia. Isso é evidente, porque são décadas [falando disso]. Não é uma declaração isolada, sobre o AI-5 e “mudei de ideia”. Na verdade, eles sempre disseram isso. É uma sequência, tem uma historicidade nisso. São pessoas de fato autoritárias que não acreditam no regime democrático. Esse pequeno núcleo, se pudesse, com certeza imporia um regime ditatorial no Brasil. O guru dessa gente, que é um obscuro sujeito chamado Olavo de Carvalho, autoproclamado indevidamente filósofo, é um homem que tem, todos os dias, escrito na internet que tem que fechar, que tem que matar. E é chamado por esse pessoal de professor.

Os indícios, os indicadores, aí estão, e não são dados por uma crítica da esquerda. São dados por atitudes deles. Esse pequeno núcleo, sim [deixa em risco a democracia]. E, portanto, na medida em que existe esse pequeno núcleo gravitando em torno da esfera máxima de poder institucional do Brasil, é claro que é preciso ter vigilância, é preciso iluminar isso o tempo todo, ter holofotes o tempo todo, para que haja a devida contenção desse ethos golpista, autoritário que esse pequeno núcleo tem.

Se você me perguntar se isso é todo o governo federal, é claro que não. Há pessoas no governo federal que são sérias e honestas. Eventualmente conservadoras, mas que acreditam na democracia, na Constituição. Portanto, seria errado e desonesto da minha parte eu dizer que todo o governo federal é ditatorial, quer a ditadura. Não digo isso. Mas há esse pequeno grupo, que gravita em torno do presidente da República, não há dúvida. E eu lamento isso. Lamento muito que isso ocorra.

Por Portal Vermelho

Blog do Mamede

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