A 3ª Promotoria de Justiça de Cristalina deflagrou, na manhã desta quarta-feira (31/7), uma operação para cumprimento de três mandados de busca e apreensão em três estabelecimentos voltados ao tratamento de dependentes químicos, após denúncias de cárcere privado e maus-tratos. Os mandados foram expedidos pelo juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Cristalina, Thiago Inácio de Oliveira.
Conforme detalhado pelo promotor Ramiro Carpenedo Martins Netto, que atua em substituição na 3ª Promotoria de Justiça de Cristalina, de forma concomitante, a operação também promoveu fiscalização conjunta nas comunidades terapêuticas, com a participação de diversos órgãos municipais e da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa).
De acordo com o promotor, a Vigilância Sanitária Municipal já havia detectado várias irregularidades em fiscalizações anteriores, principalmente quanto à ausência da documentação necessária para o funcionamento e falta de profissionais habilitados para o tratamento e a dispensação de medicamentos. O MP também já havia recebido denúncias em relação aos estabelecimentos e buscado a regularização de forma extrajudicial, sem sucesso.
Fizeram parte da fiscalização conjunta mais de 40 servidores públicos, entre fiscais da Vigilância Sanitária Municipal e da Suvisa, médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais da prefeitura de Cristalina, policiais militares da 32ª CIPM e servidores do Ministério Público de Cristalina. A ação também contou com a participação e auxílio da área de Saúde do Centro de Apoio Operacional do MP-GO.
Irregularidades
Na operação foi constatado que os estabelecimentos funcionavam na prática como comunidades terapêuticas, embora tenham registrado suas atividades perante a Receita Federal como clínicas de reabilitação (estabelecimento de saúde). Segundo esclarece o promotor, o regramento aplicável às comunidades terapêuticas, definido pela Resolução nº 1/2015 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), determina que essas entidades sejam pessoas jurídicas sem fins lucrativos, de adesão e permanência voluntárias, com acolhimento transitório (limitado a 12 meses), voltado a pessoas que tenham sido previamente avaliadas pela rede de saúde e com participação ativa da família, tanto no plano de acolhimento, quanto no contato diário com o acolhido.
Desse modo, ele destaca que é dever dessas entidades “fornecer alimentação, condições de higiene e alojamentos adequados”, bem como “manter os ambientes de uso dos acolhidos livres de trancas, chaves ou grades”, conforme consta em norma legal. Ainda, caso o acolhido possua renda própria ou receba algum tipo de benefício, é vedado à entidade ou aos membros da sua equipe receber da fonte pagadora ou administrar, direta ou indiretamente, tais recursos.
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Das 96 pessoas entrevistadas por psicólogas e assistentes sociais e avaliadas por médicos do município foi constatado que:
a) mais da metade relatou estar sendo mantida na entidade contra sua vontade;
b) mais de dois terços foram internados sem prévia avaliação médica;
c) 16 internos repassam o benefício previdenciário ao estabelecimento em que estão acolhidos;
d) pelo menos seis acolhidos relataram nunca ter feito uso de substância psicoativa e não saber por que estão internados;
e) 43 disseram já ter sofrido agressão moral ou física por parte dos funcionários e monitores do local.
De acordo com os relatos dos acolhidos e as provas encontradas nos celulares apreendidos, era recorrente a prática do chamado “resgate”, consistente na condução à força das pessoas para esses estabelecimentos, tanto mediante contenção física (com cordas e camisas de força) quanto medicamentosa (por pessoas sem qualquer capacitação técnica).
Violação a direitos humanos
Foram encontrados ainda nos três estabelecimentos remédios vencidos, fracionados e sem identificação (caixa, bula ou cartela correspondente); alimentação inadequada e imprópria para consumo; faixas para contenção física dos internos; estrutura física deteriorada (a despeito de mensalidades que chegam a R$ 2,5 mil); pessoas internadas há mais de quatro anos; retenção ilegal de documentos pessoais, cartões de crédito, carteiras e bens pessoais dos acolhidos e de pessoas que já saíram do estabelecimento; privação de contato com os familiares; dispositivos e edificações destinadas a impedir o livre deslocamento dos acolhidos (grades, cadeados, cercas elétricas e concertinas); constrangimento ilegal e extorsão dos acolhidos que manifestaram desejo de interromper o tratamento; existência de “quartos de contenção” como forma de punição; e armas brancas escondidas embaixo dos colchões dos monitores.
No contrato padrão do primeiro estabelecimento fiscalizado está previsto que o contato com a família será mediante “uma ligação telefônica mensal após 30 dias de internação, sendo pré-estabelecido o tempo de cinco minutos de duração, sempre em ligação a cobrar, sendo esta ouvida por um dos funcionários através do modo viva-voz”. Ainda, consta do contrato a seguinte diretriz: “o sigilo é fator importante no tratamento; tudo o que você ver (sic) e ouvir aqui, deixe que fique aqui”.
Em aviso colado na parede do segundo estabelecimento, lê-se: “proibido colocar objetos em cima do bebedouro: sujeito a correções”. Em cartaz afixado terceiro estabelecimento, consta a advertência de que os internos que manusearem a bomba e os registros estarão sujeitos a “experiência educativa’”.
De acordo com o promotor, em razão do flagrante pelo crime de cárcere privado, deu-se voz de prisão a cinco sócios e administradores dos estabelecimentos. Ele acrescenta que, a partir do compartilhamento das provas e do material apreendido, os demais desdobramentos criminais ficarão a cargo da 1ª Promotoria de Justiça de Cristalina para as providências cabíveis.
Todos internos passaram por avaliação médica e psicossocial, estão sendo acompanhados por profissionais do município e serão gradativamente encaminhados para o tratamento devido.
Por MP-GO
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