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Estudo não divulgado aponta violação ambiental e emissão de poluente pela Usiminas

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O relógio pendurado na parede do bar apitou pontualmente às 20h. Sentado ao balcão, o metalúrgico Reinaldo de Oliveira* compartilha um pouco de sua rotina de trabalho dentro do chão de fábrica da siderúrgica Usiminas, em Ipatinga, leste de Minas Gerais.

Considerada a maior produtora de aços planos da América Latina, a usina ocupa 10 km² de área no município, que é cortando praticamente em toda sua extensão pela Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Além de transportar passageiros e levar matéria prima, a ferrovia também é responsável por escoar boa parte da produção da empresa, estimada em torno de 11 mil toneladas de aço por dia. O lucro líquido da Usiminas no primeiro trimestre deste ano foi de R$ 76 milhões.

Entre um gole e outro de cerveja, Reinaldo tem sua fala interrompida pelo som do trem que acaba de chegar à cidade. “Isso acontece de manhã, de tarde e de noite. O povo daqui já está mais que acostumado. É um incômodo que todo bom mineiro aprende a gostar”, brinca o operário após a passagem da locomotiva, seguida por dezenas de vagões abarrotados de minério de ferro.

“Quem dera nosso problema fosse o barulho do trem. O que incomoda mesmo é o ar que respiramos. Eu trabalho lá e sei bem como é. A fuligem do minério chega a brilhar flutuando no ar. A empresa diz que está tudo certo. As autoridades não fazem nada e eu muito menos. Afinal, não dá pra cuspir no prato que se come”, completou o trabalhador. Em Ipatinga, a Usiminas tem 13 mil funcionários – 7 mil contratados e cerca de 6 mil terceirizados – e é a maior empregadora da cidade.

O incômodo com a qualidade do ar ultrapassa os muros da empresa, como afirma Júlio César Batista, morador do bairro Cariru, um dos 13 que cercam a siderúrgica.

“O pó preto é muito forte. Por eu ser praticamente vizinho do pátio de estocagem de minério da Usiminas, posso dizer com segurança. Qualquer vento forte é suficiente para fazer subir um nevoeiro metálico que logo se espalha sem controle algum por praticamente toda cidade. Ninguém sabe o que tem nesse pó. A Usiminas não divulga nada”, reclamou.

As falas de Reinaldo e Júlio César refletem uma percepção comum na cidade, confirmada por pesquisa feita pela própria siderúrgica entre maio e junho de 2017. De acordo com o estudo, a poluição do ar é a questão ambiental que mais preocupa os moradores de Ipatinga.

A pesquisa não foi divulgada, mas o Brasil de Fato teve acesso ao resultado. O levantamento aponta que 89% das pessoas se incomodam, e muito, com o “pó preto”, nome popular dado ao material particulado emitido pela Usiminas durante o processo de produção do aço.

 

A percepção dos moradores tem fundamento. Um monitoramento concluído em dezembro do ano passado, e que também permanece desconhecido da população, revelou que a concentração do poluente na área interna da usina é 56 vezes maior do que o recomendável. Do lado de fora, ou seja, nos bairros, a concentração do poluente atingiu dez vezes o recomendável, sobretudo na região central do município. A medição foi feita pela Gerência de Monitoramento da Qualidade do Ar e Emissões (Gesar) de Minas Gerais, que é ligada a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

“Nunca tive acesso a esses dados. Precisamos tomar conhecimento para nos apropriarmos da situação, mas daremos ampla publicidade aos trabalhadores, bem como denunciaremos a situação junto aos órgãos de fiscalização competentes”, garantiu Geraldo Magela, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga (SINDIPA), ao ser questionado sobre o relatório.

Neblina brilhante

A dispersão do “pó preto” em Ipatinga é alvo de um inquérito civil que tramita no Ministério Público do Estado. O procedimento foi instaurado após o motorista Leslie de Miranda registrar um boletim de ocorrência contra a empresa. A razão da queixa foi o grande volume de material recolhido do telhado de sua residência na manhã do dia 20 de maio de 2016.

“Lembro que na noite anterior o tempo permaneceu muito fechado, como se houvesse uma neblina brilhante. Acordei e fui ver o meu quintal. Estava quase todo coberto de pó. Decidi limpar o telhado e recolhi quatro quilos. Na mesma hora chamei a polícia. Precisamos agir. Ninguém é obrigado a conviver com isso”, defendeu o denunciante.

Passados três anos e um mês do episódio, Leslie não sabe dizer qual foi o resultado da denúncia. “Um dia chegou um comunicado dizendo que o procedimento seria arquivado por falta de elementos. Veja, eu entreguei quatro quilos de pó preto que vieram das chaminés da Usiminas até o meu telhado. O que mais as autoridades precisam para que alguma providência seja tomada?”, questionou. Até o fechamento desta edição, o procedimento não havia sido arquivado.

Material Particulado

Identificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o poluente mais tóxico à saúde humana, o Material Particulado é resultado de uma mistura de componentes sólidos e líquidos que podem variar em composição e tamanho, de acordo com a fonte de emissão e condições meteorológicas presentes no ambiente.

Essas partículas são definidas como MP 10, aquelas cujo diâmetro é menor que 10 micrômetros (μm), e MP 2,5, com diâmetro menor que 2,5 μm, o que representa 3% do diâmetro de um fio de cabelo. Quanto menor a partícula, maior o perigo.

O MP 2,5 atinge as vias aéreas inferiores, com comprometimento dos alvéolos, e pode penetrar na região da troca de gases nos pulmões. Em 2010, a partícula MP 2,5 foi considerada o sexto maior fator de risco para a mortalidade prematura global pela OMS, e o primeiro fator quando relacionado a questões ambientais.

Em março passado, cientistas do Instituto alemão Max Plank divulgaram um estudo demonstrando que o número de mortes associadas à poluição do ar em todo o mundo chega a 8,8 milhões de pessoas por ano. Os pesquisadores também constataram maior número de doenças associadas à exposição ao MP 2,5, como acidente vascular cerebral, doenças cardíacas, diabetes e pressão alta. Doenças respiratórias e cancerígenas também foram relacionadas.

Em 5 de junho, data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde informou que as mortes associadas à poluição atmosférica no Brasil aumentaram 14% em dez anos, passando de 38.782 em 2006 para 44.228 em 2016.

Em Ipatinga, não há pesquisa que relacione o poluente às causas de mortes. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre 2007 e 2017, 7.622 pessoas morreram na cidade por doenças nos aparelhos circulatório, respiratório e neoplasias (tumores), cujas causas podem ser de várias fontes.

As medições

Desde 2000, a OMS traz normas para os limites do MP 2,5. Atualmente, a organização recomenda que as emissões não passem de 10 microgramas por metro cúbico (µg/m³) por ano ou 25 µg/m³ em 24h.

Até o ano passado, o Brasil não tinha estabelecido seus limites em nível nacional. A determinação só veio com a aprovação da Resolução 491 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em 19 de novembro de 2018, e parece não ter chegado a tempo de balizar o estudo feito pela Gesar – que utilizou um parâmetro emitido pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em 1981, quando o MP 2,5 sequer era reconhecido pela comunidade científica.

Por essa antiga diretriz, a análise é genérica, sem diferenciar os tipos de material, por exemplo, se as partículas detectadas são inaláveis ou não. Além disso, faz a mediação em gramas por metro quadrado, num período de 30 dias.

Ainda assim, o resulto foi assustador. Para a área interna da Usiminas, o monitoramento identificou, no acumulado de um mês, a presença de mais de meio quilo de “partículas sedimentáveis” por metro quadrado (566 g/m²). O padrão aceitável é de até 10 g/m².

Para as áreas residências, o volume aceitável, de até 5 g/m², foi encontrado apenas em dois dos sete bairros monitorados. Nos demais, os índices chegaram a 10, 15, 25 e, no caso do Centro, a 50 g/m².

 

Brasil de Fato procurou a Prefeitura, a Câmara, o Ministério Público e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão ao qual é subordinada a Gesar. Nenhum dos quatro se manifestou.

Uma das perguntas não respondidas pelo prefeito Nardyello Rocha – que é ex-funcionário da Usiminas e costuma compartilhar nas redes sociais os comunicados favoráveis à empresa – trata da Lei Municipal 3279/2013.

A norma define parâmetros para o Índice de Qualidade do Ar no município, de acordo com o estabelecido pela OMS. Entre seus dispositivos mais importantes, está o monitoramento do MP 2,5. Entretanto, a regra nunca foi colocada em prática.

O controle da qualidade do ar como mecanismo de monitoramento é importante por inúmeras razões. É por meio dele que há a oportunidade de se fazer a gestão adequada da emissão de poluentes e a proposição de ações e de políticas públicas necessárias.

Autora da lei, a vereadora Lene Teixeira (PT) disse à reportagem que já foi três vezes ao MP pedir apoio ao cumprimento da norma.

Painéis

Como resultado de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o mesmo Ministério Público, feito em 2010, a Usiminas instalou painéis de monitoramento do ar em quatro pontos da cidade.

Teoricamente, os dados deste monitoramento diário estão sob controle do MP e da Feam. No boletim referente a semana de 11 e 17 de junho, com base no que informam os painéis, a Fundação atesta a qualidade do ar em Ipatinga como “boa” e diz que “praticamente não há risco de saúde” para a população – estimada em mais de 260 mil habitantes.

A reportagem pediu para ter acesso aos monitores dos painéis instalados na sede da Promotoria, no bairro Cariru. O pedido foi negado. O Brasil de Fatosolicitou à assessoria de comunicação do órgão que confirmasse seu funcionamento e enviasse os resultados referentes aos últimos 24 meses. Não houve resposta.

“Eu não confio nestes painéis. Sempre informam que a qualidade do ar está boa, mesmo com o cheiro forte de poluição que vem lá da usina. Eu acho que isso é um artifício mentiroso que deveria ser retirado. Se não é para informar corretamente, qual a finalidade?”, criticou Mário Sérgio Dinelli, ex-funcionário da Usiminas, também vizinho à siderúrgica.

 

“Nunca fui informada sobre qualquer estudo relacionado à concentração de MP industrial na cidade. A última reunião foi há cerca de 15 dias e também não tive acesso aos monitores dos painéis de controle. O que é notório é que a população desconfia muito de seus resultados. A Usiminas é fundamental para o desenvolvimento local, mas a saúde de quem vive aqui tem de ser resguardada. Algo precisa ser feito com urgência”, defende a vereadora Lene Teixeira.

No Ministério Público do Trabalho, que poderia adotar medidas para proteção dos trabalhadores expostos ao pó preto, a mesma surpresa. “Não sabíamos desses dados. Solicitaremos a íntegra do estudo de forma oficial para analisarmos quais medidas são cabíveis. A situação é preocupante”, concluiu o procurador Tulio Mota de Alvarenga.

Outro lado

Procurada, a assessoria de comunicação da Usiminas informou que a empresa “observa a legislação ambiental vigente nas suas operações e investe no controle ambiental com foco, entre outros, na mitigação das emissões de material particulado, por meio da adoção de práticas e sistemas de controle consolidados no setor de siderurgia”.

A companhia informou ainda que “a qualidade do ar de Ipatinga é monitorada por meio de estações automáticas de alta tecnologia, gerando resultados da concentração das partículas e demais substâncias que são disponibilizados diretamente aos órgãos públicos competentes e também divulgados à comunidade através do IQA – Índice de Qualidade do Ar nos painéis digitais instalados em locais de grande circulação no município”.

Por fim, a empresa ressaltou que “disponibiliza canais permanentes de interação com seus diversos públicos de relacionamento, disponíveis para consulta no site www.usiminas.com/faleconosco, além de manter perfis nas redes sociais e um frequente contato com a mídia para a divulgação de fatos de interesse das comunidades”.

* A pedido da fonte, o verdadeiro nome do trabalhador que abre a reportagem foi adulterado para que sua identidade seja mantida em sigilo.

Blog do Mamede

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