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Eva Perón, 100 anos | Uma vida dedicada aos direitos sociais do povo argentino

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Marcada como a década da Segunda Guerra Mundial e do início da ordem bipolar, 1940 também assistiu a processos políticos singulares de mobilização popular na América Latina. Em diversos países, projetos populistas foram eleitos com ampla base social de apoio e deixaram um legado ainda não superado.

A Argentina, por exemplo, viveu o surgimento do Peronismo. O país enfrentava os primeiros anos de um golpe militar iniciado em 1943, e o movimento peronista, composto por diversas classes sociais, culminou na eleição de Juan Domingo Perón em 1946. O governo caracterizou-se pelo fortalecimento do movimento operário e pela ampliação dos direitos sociais.

Uma das principais personagens dessa história é Eva Duarte de Perón (1919-1952), mais conhecida como Evita Perón. Atriz e então esposa de Perón durante o primeiro mandato (1946 a 1952), ela teve sua trajetória marcada por forte atuação política. Até hoje reverenciada pelo povo argentino, Evita é lembrada pela defesa dos direitos da classe trabalhadora, das mulheres, das crianças e dos dos mais humildes — os “descamisados”.

No dia que marca seu centenário, o Brasil de Fato revisita sua trajetória através de uma conversa com Felipe Pigna, historiador argentino e autor do livro Evita, realidade ou mito: a biografia definitiva da mulher mais amada e odiada da Argentina.

“O legado mais importante de Evita se resume em uma frase: onde há uma necessidade, nasce um direito. Quer dizer que a necessidade vai gerando novos direitos e que, portanto, o Estado, deve repartir o dinheiro entre as pessoas”, defende o historiador.

Uma origem popular

A história de Evita começa na pequena cidade de Los Toldos, na província de Buenos Aires, capital argentina. Caçula de cinco filhas da costureira Juana Ibarguren, ela viveu uma infância de privações.

Na década de 1930, aos 15 anos, mudou-se para Buenos Aires com o sonho de se tornar atriz. Em meio a participações nas rádios locais, tornou-se conhecida e ganhou protagonismo como locutora de radionovelas. Em 1944 , conheceu seu futuro esposo, Juan Perón.

“Nesse contexto, acontece o terremoto de San Juan, onde morrem mais de 8 mil pessoas. Perón, que era secretário de Trabalho e Segurança Social do governo, decide convocar artistas para um grande show nacional. Foram muitos artistas conhecidos, inclusive Evita. Aí eles se conhecem e começa o vínculo entre eles que vai mudar a vida de Evita absolutamente”, completa Pigna.

Em outubro de 1945, Perón, então vice-presidente do país, é afastado de seus cargos por um golpe civil e militar e, em seguida, preso. Evita foi responsável por dirigir uma ampla campanha de agitação social que, em 17 de outubro, reuniu milhões de trabalhadores no centro da capital para exigir a liberdade de Perón, em uma das maiores manifestações populares da história do país. Desde então, o 17 de outubro marca o Dia da Lealdade Peronista.

Finalmente, em fevereiro de 1946, Juan Domingo Perón é eleito para a Presidência com 56% dos votos.

Organização política das argentinas

Os direitos e a politização das mulheres argentinas foram parte fundamental das ações de Eva Perón.

“Evita lutava pelos direitos das mulheres, direitos civis e de trabalho. Os direitos civis tinham a ver com a igualdade dos homens e das mulheres, salários iguais para trabalhos iguais, a educação em todos os âmbitos, a promoção social”, lembra Pigna. “Até que finalmente conseguiu que o Parlamento aprovasse a lei do voto feminino, que era uma luta antiga das argentinas desde o início do século”.

Em setembro de 1947, foi promulgada a Lei 13.010, também conhecida como Lei Evita, que estabelecia o sufrágio feminino e reconhecia a igualdade de direitos políticos entre mulheres e homens.

Os resultados não demoraram a chegar. Nas eleições de 1951, as mulheres depositavam pela primeira vez seus votos nas urnas argentinas. Foram quase quatro milhões de votos femininos. Mais da metade deles, 64%, para a sigla do Peronismo. Resultado de uma luta histórica das mulheres, agora elas também ocupavam cargos de poder institucional com a eleição de 23 deputadas e seis senadoras.

Evita também buscou consolidar uma organização exclusiva de mulheres. Em 1947, foi criado o Partido Peronista Feminino com fortes vínculos na política de saúde e educação. Eva Perón foi eleita presidenta por ampla maioria. O Peronismo, a partir de então, incluiu candidaturas femininas para todos os postos de disputa.

Políticas sociais

Em 1948, Evita cria a Fundação Eva Perón, instituição de assistência social que atuava junto ao Estado argentino. A saúde pública foi tema de grande dedicação da líder política. “Começa uma construção impressionante de hospitais, solidariedade social, distribuição de medicamentos, o que vai a colocando em lugar de muito reconhecimento popular e dando o mote de ‘Santa Evita'”, acrescenta o historiador.

Durante o primeiro mandato de Perón, sob a supervisão de Evita, foi construída uma ampla rede de saúde. Em menos de dois anos, a Escola de Enfermeiras Evita Perón graduou mais de cinco mil profissionais. Mais de 30 mil novos leitos hospitalares foram criados.

om a ideia de que nem todos os “descamisados” conseguiam chegar aos hospitais, em 1951 ela inaugura um novo estilo de atenção médica: um trem que viajou o país por quatro meses levando atendimento médico à população e educação sobre higiene e medicina preventiva.

A Fundação também criou escolas em tempo integral para as crianças mais pobres, que abrigaram cerca de 16 mil crianças em uma época na qual a população total da Argentina era de 16 milhões de habitantes. “Foi uma mulher que transcendeu as fronteiras. A Fundação Eva Perón, por exemplo, ajudava crianças e pessoas em toda a América Latina”, lembra Pigna.

Ao mesmo tempo, Evita se dedicava ao trabalho com os sindicatos, e tornou-se especialmente admirada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país. “Quando chegam as eleições, os sindicatos são os que propõem que Evita seja candidata à vice-presidência. Começam então as pressões, porque Evita era uma mulher que tinha um discurso e uma prática muito mais à esquerda que Perón”, analisa.

Legado

Apesar de intensa, a vida de Evita Perón foi breve. Em 17 de outubro de 1951, Dia da Lealdade Peronista, ela proferiu seu último discurso. Às vésperas da eleição presidencial que consagraria Perón para seu segundo mandato, ela falou para milhares de argentinos e argentinas na Praça de Maio, em Buenos Aires.

“Eu não valho pelo que sou, ou pelo que renunciei, pelo que sou ou pelo que tenho. Tenho uma coisa só que vale, que guardo no coração, que queima minha alma, que dói em minha carne e arde meus nervos: o amor por esse povo e por Perón”.

A essa altura, a líder política já sabia que estava com câncer de colo uterino em estado avançado. Em 26 de julho de 1952, Evita morre aos 33 anos. Tamanho era seu legado que três anos após sua morte, quando um golpe militar derrubou o governo de Perón, seus restos mortais foram sequestrados e levados para a Itália.

“Chegaram ao cúmulo de roubar seu cadáver, que foi sequestrado durante 16 anos porque diziam que onde estivesse a tumba de Evita estaria uma espécie de procissão peronista”, lembra o historiador. “Uma das coisas que fez a chamada Revolução Libertadora, que tinha o mesmo modelo político que têm Bolsonaro e Macri, o neoliberalismo selvagem, foi tentar destruir a obra de Evita”.

Mesmo cem anos passados de seu nascimento não foram capazes de apagar seu legado.

Por Brasil de Fato

Blog do Mamede

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