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“É uma autorização para matar”, diz Eugênio Aragão sobre intervenção no RJ

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Ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão. / Gil Ferreira/Agência CNJ

O ex-ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff, Eugênio Aragão, expôs suas opiniões sobre o decreto de intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, assinado pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) na sexta-feira (16).

Em entrevista para a Rádio Democracia, Aragão disse que a medida, que será votada na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (19), representa uma jogada política do governo para aumentar sua popularidade. “O que se vê hoje é um governo de péssima reputação, com sua imagem completamente deteriorada na sociedade. O carnaval mostrou isso claramente. Isso faz com que ele realmente busque, no ano eleitoral, uma agenda”, afirmou.

O ex-ministro também falou sobre o documento do Comando Militar do Leste que está circulando na internet e causando indignação popular por destacar que, com a intervenção, qualquer comunidade onde morem narcotraficantes será considerada um “território hostil”. Aragão destacou que considera a intervenção extremamente perigosa para civis.

Confira a entrevista completa:

Como o senhor avalia a intervenção militar no Rio de Janeiro?

Eu vejo muito como um governo que está esvaziado de pautas a brincar com fogo. Ou seja, uma brincadeira de mal gosto, porque não há nenhum exemplo no passado aqui no Brasil de que o uso das Forças Armadas (FA) na segurança pública tenha dado certo. Inclusive, foi por essa razão que se criou a Força Nacional, para exatamente evitar o uso das FA nesse setor. Sempre houve uma resistência muito grande por parte de setores das FA de desempenhar esse tipo de papel. Então vejo isso com preocupação.

O decreto do Temer, a princípio, adota um modelo não robusto de intervenção, uma intervenção amena porque o que ali se fala se remete ao título da Constituição que trata da intervenção federal. E ali se recorta a intervenção federal para segurança pública com o artigo 145 da Constituição. Nomeia-se um interventor que é um general das FA e, na verdade, se submete a esse general o comando sobre as forças de segurança pública. Então não temos ali, por exemplo, nenhum tipo de esforço de trazer intervenção propriamente de tropa militar.

O próprio governo Temer já anunciou que no caso de ser mantida a agenda do Congresso Nacional, ele suspenderá a intervenção, para votar a reforma da Previdência e depois voltar com o decreto. Me parece uma intervenção mais política do que técnica.

Eu também tenho achado isso porque o que se vê hoje é um governo de péssima reputação, com sua imagem completamente deteriorada na sociedade. O carnaval mostrou isso claramente. Os índices de rejeição desse governo cada vez maiores e isso faz com que ele realmente busque no ano eleitoral uma agenda. Essa agenda praticamente veio em um pedido de socorro do Pezão em um estado onde o partido do presidente da República está destroçado com suas lideranças presas ou sob investigação. Um estado quebrado que não consegue nem sequer pagar a folha de pagamento de seus funcionários e tem um Judiciário que é um dos piores exemplos de judiciários no Brasil. Esse cenário todo faz com que uma aventura dessa pareça muito convidativa como uma tática diversionista.

Parece que houve momentos mais delicados na violência do Rio de Janeiro e não foi feito algo como isso. É mais midiático, parece mais um chamamento da Globo ou o RJ realmente está com um problema de segurança a ponto de chamar essa intervenção?

O problema de segurança do RJ é crônico. O fato é que o doutor Mariano, quando era secretário de Segurança Pública de Sérgio Cabral, tinha uma ideia de ocupar os morros com aquelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Mas elas não desmantelaram a estrutura do crime organizado nos morros. Os traficantes simplesmente se recolheram, interiorizaram-se, foram muito para Teresópolis, Petrópolis, Nova Friburgo, e na primeira oportunidade, quando o governo mostrou fragilidade, eles voltaram.

Tivemos um engodo porque, na verdade, o modelo, na medida que não foi acompanhado de políticas públicas claras de investimento em capital social nas comunidades, foi muito mais uma iniciativa que não enfrentou o problema. Agora, já houve tentativas de enfrentar o problema pela força no passado. Por exemplo, a operação Rio na época do governo Itamar Franco. Foram todas elas fracassadas, não resolveram nada. Foram apenas golfadas de violência por parte das forças armadas do estado e de forças estaduais, que resultaram em apenas mais violência, mas não desmantelaram todo o sistema de violência nessas comunidades, que vitimizam, em primeiro lugar, os próprios moradores.

Essa intervenção no Rio é constitucional? E suspendê-la para votar a reforma da Previdência é moral? Não torna uma intervenção política e imoral?

O governo está querendo ganhar todas. Não quer fazer opções de risco. Se ele decretar intervenção no estado a Constituição é clara: não pode ser votada nenhuma emenda constitucional. Mas o governo não quer abrir mão de votar, então acha que pode fazer uma intervenção vagalume, liga, desliga, liga desliga. E que pode desligá-la para votar a reforma da Previdência. É uma desonestidade em relação ao regime constitucional. É uma deslealdade. Um governo incapaz de fazer escolhas, pensar, olha, o que é mais importante para o governo agora? Não dá para ter os dois ao mesmo tempo.

O fato do governo não ter nenhuma prioridade nisso mostra que essa intervenção no RJ é uma agenda política para ver se ele ganha um pouco mais de respaldo em um ano eleitoral. Agora, apostar com uma agenda de segurança pública de uso do monopólio de segurança do estado como um ativo eleitoral é uma operação de altíssimo risco. Mostra que o governo não está bem na bola, é coisa de bêbado você fazer uma coisa dessa. Um governo com a máxima legitimidade poderia até ousar um pouco mais. Mas um governo sem legitimidade nenhuma, com seus índices de popularidade lá no subsolo, brincar com fogo é suicídio.

A gente tem visto o recrudescimento dos setores mais reacionários da sociedade, que inclusive tem no seu interior ex-membros das Forças Armadas e até atuais membros. O senhor não acha que entregar o comando de todo o aparato de segurança a um segmento desse é perigoso para o Brasil?

É perigoso. Saiu há pouco um documento do Comando Militar do Leste sobre a intervenção, está começando a circular na internet, e tem um parágrafo extremamente preocupante. Enquanto o modelo de intervenção for suave, os atores parecem que não se perceberam disso. Olha o que está escrito, é uma coisa muito preocupante. Eles chamam as Forças Militares bem no jargão de “Força Auxiliar”: “Os demais quartéis de Força Auxiliar que estão denominados exercem patrulhamento em áreas de risco ou vermelhas estarão sendo comandados com base fixa dentro da própria unidade por coronéis do Exército, forças especiais, guerrilhas urbanas e ações no Haiti, para que se desenvolva ações contundentes e eficazes em áreas de alto risco em decorrência da atuação de grupos e milícias armadas e narcotráficos.

Todas as comunidades onde existem milícias de narcotraficantes serão consideradas, a partir de hoje, como território hostil, sendo autorizado às forças especiais, paraquedistas e grupo de fuzileiros navais, juntamente às Forças Auxiliares, agirem de forma contundente, ríspida, e até mesmo com uso de força letal, caso haja necessidade, quando assim forem atacadas, sobre qualquer tipo de ameaça física contra a vida de qualquer integrante das forças conjuntas amigas”. Ou seja, esse é um discurso de guerra. Todas as operações em comunidades, a partir de hoje, serão consideradas em áreas de território hostil, respaldado pelo Ministério da Defesa. É uma autorização para matar.

Isso pode respingar, em algum movimento social organizado, alguma ocupação sem-terra, sem-teto?

Claro, porque, quem são eles, coronéis e generais, para julgarem se alguém pertence ou não pertence à força hostil? São juízes para dizer se alguém realmente é narcotraficante ou não? Para dar licença de matar? Então é extremamente grave o tom que está sendo utilizado nessa intervenção. Isso é um documento oficial do Exército. É extremamente grave, e é mais grave ainda quando nós temos toda a política de direitos humanos do Estado brasileiro desestruturada na mão de uma desembargadora aposentada que não sabe de nada, só sabe pedir mais dinheiro para o próprio bolso.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos na mão desse tipo de gente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária também, o Ministério da Justiça concordando com esse tipo de atuação. A gente vê realmente um ambiente extremamente contaminado. Eu tenho uma preocupação que é a seguinte: o país não está em um momento de distensão. Estamos em um momento muito tenso, os ânimos estão exaltados, o carnaval foi um sinal claro da situação e disposição da população em relação ao momento político que vivemos. Estamos diante de um governo que não tem nenhuma legitimidade.

Se acontecer de essas forças aparentemente comandadas por um general cabeça quente vierem a agredir a população civil, podemos ter ali, claramente, uma fagulha que pode levar a um processo de descontrole. E aí sim isso será extremamente preocupante porque a população só sobe em barricadas quando acaba o medo da morte. Quando acaba? Quando ela toma consciência de que de um jeito ou de outro, o risco de morrer é o mesmo. Aí as pessoas sobem em barricadas, tiram os paralelepípedos da rua e jogam nos policiais, viram cabos, quebram vitrines, e vira arruaça. E este é um cenário extremamente perigoso e podemos ver isso historicamente. Acho que quem conhece história tende a não repetir seus erros, a Revolução Russa, Iraniana, Portuguesa, nos cenários do Afeganistão, Iraque, Líbia, todos eles podemos ver que no momento que desaparece a contenção de ânimo natural, que é o medo da morte, há reviradas. Então estão brincando com fogo, como eu disse desde o início.

Ao invés de destencionar, o governo está tencionando?

Está tencionando. Esse documento é uma excrescência em um Estado de Direito. Não se trata de convocação de um estado de sítio, mas os militares estão se arrogando o direito de matar.

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