Por Dayane Santos
Com a altivez consciente da justeza de suas condutas e a firmeza daqueles que não renegam a luta, Dilma Vana Rousseff fez um pronunciamento visionário. Cercada por lideranças dos movimentos sociais e políticas, a presidenta eleita afirmou que o golpe não foi somente contra o seu mandato, mas contra o povo e as suas conquistas.
Passados apenas um ano, seu pronunciamento se concretiza: é golpe. A imprensa tentou desqualificar tal constatação da realidade, dizendo que se tratava apenas de um processo jurídico por conta de supostas “pedaladas fiscais” para pagar – vejam só – programas sociais.
O pronuncimento de Dilma apontando quais os resultados do golpe não se tratava de vidência ou coisa que o valha, mas de conhecimento da realidade e consciência política de que estava diante de um golpe, uma ação orquestrada por forças alheias aos interesses nacionais e democráticos.
“O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social”, disse a presidenta em seu pronunciamento em agosto do ano passado.
Para o jornalista e professor aposentado da USP Laurindo Lalo Leal Filho, o papel da mídia foi decisivo na construção do golpe e a presidenta Dilma Rousseff fez bem em mencioná-la no seu pronunciamento ao deixar o Palácio.
“Foram os meios de comunicação que convocaram a população a ir às ruas pedir o impeachment numa ação conjunta, onde não cabiam vozes dissonantes. Nem em 1964 viu-se um discurso midiático tão homogêneo como em 2016. Contra o golpe militar ainda havia, entre outros, a Última Hora. Desta vez, no golpe parlamentar, nem isso”, lembrou o professor.
“E nesse ponto é necessário lembrar que ainda antes do golpe editoriais da imprensa tradicional e analistas no rádio e na televisão já defendiam, sem qualquer contraponto, a destruição do incipiente projeto de um Estado de bem-estar social, construído nos governos dela e do ex-presidente Lula”, frisou ele.
Lalo, no entanto, advertiu que parte dessa situação de violação por parte da mídia brasileira foi resultado “da falta de uma política que regulasse o uso dos canais de rádio e TV, com a implantação de uma lei de meios capaz de abrir espaços para vozes independentes, não comprometidas com o retrocesso político e social, articuladoras simbólicas do golpe. Que fique a lição para o futuro”.
Impeachment sem crime de responsabilidade
Sobre o processo de impeachment, Dilma afirmou em seu pronunciamento na época que se tratou de uma “injustiça”, pois o seu afastamento foi aprovado sem que houvesse crime de responsabilidade.
“O Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar”, disse ela.
No discurso, Dilma afirmou que saia da Presidência como entrou: “sem ter incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando no peito o mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de continuar lutando pelo Brasil”.
“Se trata de um crime fabricado. Não acredito que haja algum senador ingênuo suficiente para ter dúvida sobre isso. Não é uma tendência apenas no Brasil. Acho que na América Latina, depois que começou a ficar constrangedora a presença de tanques nas ruas, baionetas e de violência física para a destituição de governos legítimos, se começou a utilizar esse tipo de retórica, esse tipo de expediente como se a observância de um rito fosse suficiente para garantir a legitimidade de um julgamento”, pontuou o jurista.
“Uma das principais causas para o golpe foi o agravamento da crise econômica. Um ano depois, os indicadores apontam que a economia não só patina, mas ela piora. O desemprego não parou de crescer. Apesar de o Caged registrar saldo positivo de postos de trabalho em fevereiro, a taxa de desocupação segue em alta. No trimestre encerrado em fevereiro, o indicador chegou a 13,2%. Isso significa quase 14 milhões de brasileiros e brasileiras desempregados. Os números da atividade econômica mostram que a recessão permanece: o IBC-Br, considerado uma prévia do PIB, iniciou 2017 com queda de 0,26%”, frisou.
Golpistas não passarão!
Em 2016, a presidenta eleita apontou o viés conservador e direitista do golpe. “O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido. O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”, salientou.
Em entrevista ao Portal Vermelho, lideranças dos movimentos sociais apontaram que a agenda de cortes de investimentos e programas sociais do governo Michel Temer atingem diretamente a população mais pobre, principalmente mulheres, jovens e negros.
“Quem é o principal público do bolsa-família? São as mulheres negras. O principal público atendido pelo Minha Casa, Minha Vida? As mulheres. Esse governo está fuzilando a possibilidade de igualdade social e autonomia das mulheres brasileiras”, disse Mariana Venturini, vice-presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM).
“Em pouco tempo nós tivemos profundos retrocessos com a revogação da CLT, a ameaça contínua sobre a aposentaria dos trabalhadores e, principalmente, com o absurdo do congelamento dos gastos sociais por 20 anos, formando um conjunto de medidas antipopulares que deixou claro que esse impeachment era um golpe contra os trabalhadores e os brasileiros”, disse Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Além do caráter de denúncia e enfrentamento ao golpe, o pronunciamento da presidenta Dilma foi de resistência e apontar a direção da luta para derrotar o golpe.
“Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer”, enfatizou.
Não há dúvida de que a democracia brasileira foi frontalmente atingida. Com um governo ilegítimo, sem voto e com reprovação popular recorde, o país vive um estado de exceção em plena democracia, com restrições de direitos, repressão contra trabalhadores, estudantes e o assassinato de camponeses e índios.
“Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”, disse Dilma em 2016, propondo a união em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política.
“Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer até daqui a pouco”, finalizou.
Portal Vermelho
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