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Entrevista/Luís Roberto Barroso: ‘Ser otimista no Brasil hoje é um exercício de sobrevivência’

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Jornalistas do MP-GO entrevistam o ministro

Considerado uma das referências do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso esteve em Goiânia na última sexta-feira (11/8) para proferir a conferência de abertura do seminário Fundamentos para Prevenção e Enfrentamento à Corrupção no Brasil, realizado pelo Ministério Público de Goiás em parceria com o Instituto Não Aceito Corrupção e a Editora Fórum. Além da palestra, o ministro concedeu uma breve entrevista ao site do MP-GO, na qual falou sobre temas como a morosidade da Justiça, dando sua visão sobre o ideal do processo judicial, o momento atual do País, reforma política e a importância da atuação do Ministério Público.

Site do MP-GO: O senhor mencionou em sua palestra os efeitos nocivos da morosidade da Justiça. O que pode ser feito para enfrentar esse problema?
Luís Roberto Barroso: Acho que há um problema em parte das leis processuais e em parte de atitude judicial. Porque em alguns casos, como se vê por exemplo, na Operação Lava Jato, você consegue fazer com que os processos andem com relativa velocidade. Existe aí um componente que envolve o empenho e a determinação pessoal do juiz. Mas o sistema é naturalmente procrastinatório. Ele permite embargos de declaração, agravos internos, agravos regimentais. Era preciso que nós lidássemos com um pouco mais de seriedade e de eficiência com a questão dos recursos. Um dos problemas da judicialização e da procrastinação é que não custa nada recorrer. Então, quando o custo de fazer alguma coisa é muito barato e traz algum proveito, nem que seja o da procrastinação, quer dizer, quando o custo pessoal é menor que o custo social, você dá um estímulo para a pessoa fazer aquilo. Tinha que haver um sistema em que recorrer futilmente sobre tudo fosse algo mais oneroso do que é no Brasil.

Agora, o modelo mesmo de celeridade processual que imagino para o Brasil, e acho que ali na esquina do tempo a gente vai conseguir, é um processo que funcione assim, no cível e no crime: o juiz recebe a inicial, manda citar a outra parte para contestar ou para apresentar defesa. Quando ele recebe a peça de resposta, o juiz já tem uma ideia da complexidade da causa. Nesse momento, ele vai fixar a data em que ele vai levar o processo para sentença. Se for simples vai ser três meses, se for complexo pode der seis meses, dificilmente pode ser mais que nove meses. Então, as partes produzirão as provas até aquela data. É preciso reduzir o oficialismo na condução do processo. Designação de perito, não. A parte produz a sua perícia. Se ela usar um perito de segunda, terceira, quarta qualidade, a prova dela será de má qualidade. Do modo que funciona hoje, você manda para o perito, o perito está cheio de processo, ele leva um ano e meio para devolver, e não tem nenhuma consequência – o advogado também não quer se incompatibilizar com o perito. Portanto, o sistema é muito ruim. É preciso tirar o Estado também disso, diminuir o oficialismo, e transferir para a parte o ônus da prova. Acho que isso será uma revolução. Depois, o tribunal julgará com a celeridade possível. Acredito ainda que o acesso aos tribunais superiores tem que ser repensado. Porque como eu disse, é muito simples, e como frequentemente uma das partes não tem razão, ela simplesmente aposta na procrastinação.

O senhor vê com otimismo o atual momento de reflexão histórica no País para reduzir a corrupção? Estamos realmente conseguindo avançar? Qual a importância do Ministério Público e do Judiciário nesse processo?
Ser otimista no Brasil hoje é um exercício de sobrevivência, porque o quadro é desalentador. Para onde você olha tem coisas erradas. As mais importantes autoridades da República estão processadas criminalmente, por crimes como corrupção ativa ou passiva. É impossível não se espantar, impossível não sentir vergonha com o que aconteceu no Brasil. Agora, acho que a exposição desses problemas, que não começaram agora, já vêm de longe, pode ser o primeiro passo para enfrentá-los adequadamente e promover uma refundação do Brasil sob novas bases, em que se consiga elevar o patamar da ética pública e da ética privada. Acredito que a gente precisa fazer um país melhor e mais decente para os nossos filhos, em que ser honesto vale a pena. Talvez esse possa ser o saldo positivo desse momento penoso, enlameado mesmo, que nós estamos vivendo. Penso que o Ministério Público, como as instituições ligadas ao Judiciário, tem um papel muito importante e ocupou esse papel na Operação Lava Jato, que eu acho que é uma transformação importante. O foco muitas vezes da repressão no Brasil tradicional foi a pequena criminalidade, quer dizer, o pequeno traficante, o pequeno furto, muitas vezes o roubo. Eu acho que, sem perda desse foco, inserir a criminalidade do colarinho branco no radar das condutas que devem ser reprimidas eficientemente, também é uma transformação na atuação do próprio Ministério Público, não só no âmbito federal e dos Estados.

Fala-se em reforma política hoje no Congresso, a sociedade espera mais que uma reforma, mas uma refundação do sistema político brasileiro. Como o senhor vê esse cenário?
Bom, caminhando eficientemente eu não diria porque há tantos anos o país espera essa reforma política. Acho que ela tem tardado muito, o país precisa desesperadamente de uma reforma política. Também isso ainda está em discussão, é preciso saber o que virá. Acredito que uma reforma política tem que ter objetivos muito específicos: baratear o custo das eleições, incrementar a legitimidade democrática, e facilitar a governabilidade. O presidente tem que sair das eleições com capacidade de formar maiorias, sem a necessidade de recorrer a esse chamado presidencialismo de coalização, que, em última análise, é um eufemismo para dizer que ele tem que distribuir cargos e dinheiro para todo tipo de gente desqualificada, para conseguir governar, o que é muito triste. A minha proposta, que acho que é, em alguns aspectos, talvez majoritária na sociedade é um sistema político que envolva delegar sistema de governo. Acho que a gente devia tentar uma alternativa semipresidencialista, modelo como o de Portugal, diminuir o hiperpresidencialismo em Brasília. Quanto ao sistema eleitoral, majoritário ou proporcional, eu acho que uma combinação dos dois no sistema distrital misto, o modelo alemão, é uma experiência que merece ser testada para o sistema. E, para o sistema partidário, precisamos recriar a cláusula de barreiras, já aprovada no Senado, a proibição de coligações proporcionais, já aprovada no Senado, e, para facilitar a governabilidade, precisamos de alguns mecanismos de fidelidade partidária, para que os partidos possam atuar como um bloco, e não com cada parlamentar fazendo negociação individual nem sempre republicana.

(Entrevista: Leandro Coutinho e Sarah Mohn – Foto: João Sérgio/Assessoria de Comunicação Social do MP-GO)

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