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Encarceramento em massa é a continuidade da segregação racial

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Agência Brasil

 

Os dados estão no Mapa do Encarceramento de 2016, e foram apresentados pela pesquisadora e integrante do projeto Giane Silvestre, do Núcleo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Ela participou do seminário Prisão e Direitos Humanos: Histórias de Longa Caminhada, realizado na sexta-feira (26), organizado pelo Núcleo de Direitos Humanos da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).

“Quando dizemos que tem mais negros presos do que brancos, não significa que mais negros cometem crimes. Significa que existe um foco policial na população negra e também em determinados tipos de crimes – aqueles que atentam apenas contra o capital (roubos e furtos). Nossa hipótese é de racismo institucional”, afirmou Giane.

“Os crimes que representam o flagrante são resultado de uma forma de trabalho da polícia, de fiscalizar crimes ligados à circulação de produtos, que não atentam contra a vida. Dificilmente existe flagrante de homicídio. Temos 50 mil homicídios por ano e apenas 8% deles são solucionados. O sistema prioriza o policiamento direcionado à proteção de mercadorias e não à vida”, completou.

A pesquisadora mostrou também que 40% dos negros presos estão em situação provisória, ou seja, foram julgados pelos policiais que o prenderam, sem ter passado por um juiz. “Sabemos que nosso sistema de Justiça trabalha de forma seletiva. Podemos refletir de como funciona o policiamento a partir desses dados. Existe uma profunda desigualdade no encarceramento em massa de negros, e esse racismo está na forma como as instituições funcionam e como ela orienta os trabalhadores. Quando o policial resolve fazer uma abordagem, tem relação com o seu sistema de aprendizado”, afirma.

De acordo com o Mapa da Violência, a partir de dados coletados em 2014, foram 11% do total de presos que cometeram crimes contra a vida, e 49% deles foram crimes contra o patrimônio. O tráfico de drogas é crescente, representando 25% das razões para o cárcere.

Para o professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida, o racismo institucional funciona como um agente regulador em nossa sociedade. “O que eu chamo de regulação não são agências que instituem regras pactuadas com o mercado. Regulação envolve as normas, o direito, e também as regras ocultas de funcionamento do sistema. Ou seja, o racismo é um modo de regulação desigual, em uma sociedade de conflitos “, diz.

Silvio argumenta que o sistema se rearticula para manter a natureza do Estado no capitalismo. “As regras são fundamentais para dar conta de contradições. Notem, a questão não é mal caratismo, é a necessidade de produção de discursos para dar conta dos conflitos e das desigualdades. As pessoas não são iguais, são divididas em classes e grupos sociais”, explica o professor. “A igualdade só vale para a hora da troca mercantil. Então, precisamos de racionalidade para explicar o porquê. No século 19, falavam que o negro era inferior biologicamente. A partir dos anos 1930, essa explicação começou a cair. Então vejam, surgiu um discurso mais bonito: o da meritocracia. Então, o que explica a desigualdade (na lógica do capitalismo)? A falta de empenho ou uma determinação cultural”, completa.

Dentro deste contexto, o encarceramento em massa, para Almeida, é um paradoxo no meio da discussão dos direitos humanos. “As mazelas do sistema prisional, denunciadas pelos dados de forma chocante, não são resultado do mal funcionamento do sistema prisional. Na verdade, é o resultado de um funcionamento ‘ótimo’. É o sistema funcionando em sua plenitude”, ironizou.

A crítica do professor se volta ao sistema de Justiça, que faz parte do racismo como agente regulador. “Para resumir, não existe como implementar uma política de encarceramento em massa sem a participação de juristas, do poder Judiciário, do Ministério Público. Não existe violência estatal sem que os agentes da Justiça não reproduzam esses padrões que nós identificamos como problemáticos do ponto de vista ético (…) Não se enganem, não existe a possibilidade. Se quisermos retomar a defesa dos direitos humanos, precisamos defender até pessoas que aparentemente são indefensáveis”, argumentou, fazendo ecoar entre os presentes a violência cometida pelo prefeito de São Paulo, João Doria, em recentes ações contra frequentadores da região da chamada Cracolândia, no centro da capital.

“O problema das prisões é sistêmico. Notem, as piores coisas, como golpes de estado e ditaduras não existem sem o juiz, promotor e advogado. Até hoje nenhum golpe no mundo foi isento do poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal participou de todos os golpes no Brasil, incluindo o do ano passado”, diz.

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Fonte: Rede Brasil Atual

 

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