Por Patrus Ananias
Especialmente no campo, não há porque modificar todo o arcabouço legal agrário do país (leis 8.629/93, 11.952/09 e 13.001/04 e até mesmo a Lei de Licitações Públicas) sem debater com ninguém que vive no meio rural.
É vergonhoso excluir a democracia do processo da reforma agrária, onde ela tanto vicejou, seja na amplitude e no conhecimento de causa das grandes entidades de camponeses, como a Contag, a Contraf, o MST, a CNS, a CONAQ e outras, seja na participação de toda sociedade nas discussões de desenvolvimento rural, por meio de organizações interessadas no âmbito das igrejas, das universidades e nas nossas cidades.
A Medida Provisória 759 nos leva a vislumbrar o passo inicial de um grande retrocesso, que seria a municipalização da reforma agrária. É certo que os municípios têm importante papel de apoio nesta seara, mas a Constituição Federal exprime sabedoria ao designar, em seu artigo 184, a exclusividade do protagonismo da União na reorganização fundiária do território.
A nossa história demonstra que a grande força contrária a reformar o campo sempre foi a das oligarquias rurais locais, costumeiramente ligadas aos poderes políticos locais. E este é o sentido de nacionalizar o tema para se levar a sério uma reforma agrária. Mas há, na MP 759/16, a abertura de possibilidade para que, no futuro regulamento previsto, isso seja desfeito, contrariando o texto constitucional e tornando mais distante a execução da reforma agrária.
Por último, e principalmente, não podemos nos calar perante um ataque perpetrado pela MP 759 à preservação do patrimônio público e à soberania brasileira.
Ao mudar a Lei 11.952/09 e a Lei 8.666/93, a MP 759 descaracteriza, amplia e perpetua o Programa Terra Legal. É um projeto criado especificamente para a Amazônia, onde planos federais de colonização reiterados desde a ditadura militar geraram problemas fundiários graves. O Terra Legal foi instituído para resolver aqueles problemas em um mutirão de 10 anos que separasse os que realmente seriam agricultores familiares – e por isso deveriam ter as terras regularizadas – dos grileiros e desmatadores, cujas terras deveriam ser retomadas para o patrimônio publico.
A nova medida provisória acaba com essa separação, simplesmente tornando perene o programa até mesmo para áreas que não sejam regularizáveis por ocupação efetiva. Ou seja, possibilita a concessão e alienação de áreas para grileiros e, mais grave ainda, autorizando a pilhagem de nosso território, tornando a solução governamental não mais a retomada ética dessas áreas, mas a alienação para aqueles que as pilharam de nós. E, ainda, muda as regras para que, daqui em diante, esse processo não se resuma à Amazônia, mas se estenda a todo o território nacional.
É um descalabro, sorrateiro, mas não surpreendente. É próprio de um governo golpista comprometido com o capital especulativo transnacional, que mira com olhos gulosos o solo de nossa pátria e cujo próximo passo será a alteração da Lei 5.079/71, para ampliar as possibilidades de aquisição de nosso território por estrangeiros. Essa proposta já está em curso na Câmara dos Deputados, também com rito de urgência, para evitar qualquer debate que faça nosso povo perceber que a soberania nacional está sendo escandalosamente roubada.