A honestidade me obriga dizer que os motivos alegados para a prisão de Eduardo Cunha — risco de fuga para o exterior, ameaça as investigações — não me convencem.
O motivo é político, como um lance indispensável à justiça do espetáculo. Cunha é um dos mais notórios acusados da Lava Jato, com contas milionárias na Suíça, identificadas pelas autoridades daquele país e confirmadas pelo lobista Julio Camargo em dezembro de 2015.
Nesta situação, sua permanência fora da cadeia, diante de réus já aprisionados com base em acusações muito mais frágeis, era um risco insuperável a credibilidade da Lava Jato. A partir de agora, ficou menos complicado justificar medidas arbitrárias, quem sabe até a maior de todas — uma eventual prisão de Lula. Para além de fatos concretos, estamos diante de uma retórica que precisa de balanços e compensações para não perder o discurso.
Não custa lembrar que, embora as provas particularmente robustas contra Cunha fossem conhecidas há tempos, ele manteve todas as prerrogativas do cargo enquanto era um personagem indispensável na articulação que planejou e encaminhou o impeachment da presidente Dilma Rousseff — missão que, por exigência constitucional, só o presidente da Câmara de Deputados teria o direito de assumir. Mesmo denunciado pelo Ministério Público assim que as primeiras denúncias surgiram, só foi afastado do cargo quando Dilma já perdera a cabeça.
A prisão foi acompanhada pelo rumor de que Eduardo Cunha poderá fazer delações premiadas cabeludas, capazes de atingir, particularmente, um de seus maiores aliados, o governo Michel Temer. Não custa recordar a frase antológica de Romero Jucá: “Temer é Cunha”, disse ele, em conversa gravada com o senador-empresário Sérgio Machado.
Não há dúvida, assim, que a prisão de Cunha é uma medida que esvazia o governo Temer, dá uma nova razão para questionar sua legitimidade e sem dúvida irá dificultar um projeto de destruição do país. A estabilidade que Temer busca desde a posse pode se transformar numa impossibilidade técnica e jurídica a partir de agora.
Quem tem malícia para examinar o calendário político, precisa encarar essa hipótese sem ingenuidade, porém. Vamos imaginar, por hipótese, que, mesmo tendo mulher e filha na linha de tiro, situação delicada para toda pessoa que se encontra sob risco de uma longa pena de prisão, Cunha de fato tenha munição e disposição para dinamitar o mandato de Michel Temer, forçando seu afastamento pelo Congresso.
Pelo ritual visto na Lava Jato, uma delação não irá ocorrer antes de dois meses, no mínimo. Pela constituição, a substituição de um presidente afastado pode ocorrer de duas formas. Até 31 de dezembro, o posto será preenchido através de eleições diretas, em urnas, convocadas pelo Congresso. Depois dessa data — hoje faltam apenas dois meses e dez dias até lá — o sucessor será escolhido pelo Congresso. Isso quer dizer que, se vier a fazer delação premiada, e se tiver munição suficiente para alimentar o impeachment de Temer, Cunha será, mais uma vez, protagonista de um golpe. Agora, um golpe dentro do golpe.
Deu para entender?
Brasil 247
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