Por Dayane Santos
“É inaceitável que qualquer agente do Estado ou qualquer veículo de imprensa dispense esse tratamento a Lula ou a qualquer outro cidadão. Essa situação acaba por sepultar uma garantia fundamental: a presunção de inocência. Lula, evidentemente, não está tendo direito a um julgamento justo ou legitimo”, frisou Zanin.
Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor de direito civil e processual civil, Zanin tem uma rotina intensa de atividades. Além das questões processuais, o advogado tem que enfrentar um dos principais instrumentos da Lava Jato: a mídia.
“Operações como a Lava Jato, com vazamentos seletivos permanentes e abusos na aplicação da lei são um prato cheio para setores da imprensa. Os veículos não precisam ir atrás da notícia. Elas chegam o tempo todo já formatadas para serem divulgadas”, explica Zanin.
A estratégia de produzir informação sem compromissos com a verdade, cuja única finalidade é garantir a execração pública do suposto autor do fato delituoso, é assumida pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância. Em artigo publicado pela revista do Centro de Estudos Jurídicos, Moro defende a substituição do Judiciário pela opinião pública como forma de satisfazer a punição judicial.
“Esses veículos acabam se aliando a agentes do Estado, transformando-os em deuses ou em protagonistas de ‘novela’”, destaca Zanin. Sobre a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal do Paraná e aceita pelo juiz Moro, o advogado é enfático: “Nenhuma prova. Só convicções”.
Evidenciando o estado de exceção, Zanin enfatiza que como advogado não tem sido uma tarefa fácil fazer a defesa, porque “muitas vezes, buscam transformar os legítimos questionamentos jurídicos que apresentamos em tentativa de atrapalhar investigações e a evolução dos processos”.
E reafirma: “Continuaremos mostrando todos os abusos perpetrados e manejando os instrumentos jurídicos cabíveis para impugná-los”.
Recentemente afirmou que a Lava Jato usa a chamada tática do Lawfare, que sem provas tenta manchar a imagem do ex-presidente abusando das leis e distorcendo-as. Fale um pouco sobre essa estratégia?
Cristiano Zanin – O lawfare é um fenômeno identificado por diversos estudos realizados nas mais importantes universidades do mundo, como Harvard e Oxford. Consiste na utilização da lei e dos procedimentos jurídicos como verdadeiras armas de guerra para a obtenção ou bloqueio de resultados políticos. É o abuso do sistema jurídico para atingir o inimigo político, sabidamente inocente. Há táticas de lawfare identificadas nesses estudos.
Posso citar algumas: abusar do direito para danificar a reputação ou deslegitimar um adversário político; influenciar a opinião pública por meio da aplicação incorreta do direito; judicialização da política; utilização dos meios jurídicos para dar aparência de legitimidade a abusos; promoção da desilusão popular; utilização do direito como forma de constranger e punir o adversário; abuso do sistema jurídico para silenciar a liberdade de expressão e difundir o medo em quem poderia se opor publicamente sobre determinado tema; utilização das leis e dos tribunais para promover mudanças na sociedade. É possível identificar claramente o uso dessas táticas de lawfare, ou seja, dessa guerra feita com o uso indevido do sistema jurídico, no caso do ex-Presidente Lula. Desde março, principalmente, Lula sofreu inúmeras violações de suas garantias fundamentais, autorizadas no âmbito de procedimentos com aparência de legalidade. Foi privado de sua liberdade por meio de uma condução coercitiva sem previsão legal, teve sua privacidade devassada de diversas formas, dentre outras coisas, foi acusado por meio de um show pirotécnico sem precedentes, desconectado com a própria realidade da denúncia formal feita no processo. Indiscutivelmente ele é vítima de lawfare. Há especialistas internacionais analisando o caso.
A afirmação categórica feita pelo MPF do Paraná de que Lula é o “comandante máximo” de um esquema de corrupção, mas não o denunciar por participação em organização criminosa é um exemplo de lawfare?
Cristiano Zanin – Claro que é. Até a linguagem castrense utilizada pelos Procuradores de Curitiba mostra isso: comandante, general, etc. O Ministério Público Federal usou de recursos públicos para realizar uma coletiva em um hotel, com cerimonial e outras extravagancias, para anunciar, com powerpoints cheios de flechas apontando para Lula, que ele seria o comandante de uma organização criminosa. Isso não faz qualquer sentido. Primeiro, porque o chefe máximo do Ministério Público Federal pediu para instaurar um inquérito no STF sobre esse assunto, reconhecendo, portanto, não ter provas para acusar Lula. Segundo, porque se a investigação está no STF, os Procuradores de Curitiba não têm atribuição para atuar no caso. Terceiro, porque o formato da coletiva fere de morte o princípio da presunção de inocência. Quarto, porque o formato da coletiva fere regras de comunicação do Ministério Publico estabelecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Em qualquer lugar do mundo, aquela coletiva geraria nulidade de todo o procedimento por violação a garantias fundamentais. A Suprema Corte Americana já teve a oportunidade de analisar um caso que envolvia powerpoints similares aos utilizados pelos Procuradores de Curitiba e o julgamento foi anulado, pois os juízes daquela Corte máxima reconheceram que o uso desse expediente tem por objetivo apenas causar clamor público e fere a garantia do estado de inocência.
Como fica a tarefa da defesa diante de uma situação como essa?
Cristiano Zanin – Há claras iniciativas objetivando amesquinhar o direito de defesa do ex-Presidente Lula. Muitas vezes, buscam transformar os legítimos questionamentos jurídicos que apresentamos em tentativa de atrapalhar investigações e a evolução dos processos. Mas continuaremos mostrando todos os abusos perpetrados e manejando os instrumentos jurídicos cabíveis para impugná-los.
Em várias entrevistas, o ex-presidente Lula tem afirmado que é vítima de um ataque contra à honra motivada por interesses políticos. Como e quanto essa motivação política tem interferido nos processos judiciais?
Cristiano Zanin – Tudo isso faz parte do lawfare que expliquei. Os processos objetivam dar uma aparência de legitimidade à perseguição política existente contra o ex-Presidente Lula.
Na contestação prévia apresentada contra a denúncia do MPF, a defesa pede, entre outros pontos, a suspeição do juiz Sérgio Moro do processo. Por outro lado, a imprensa afirma que se trata de uma tentativa de fugir do julgamento de Moro. Quais são as provas que vocês apresentam para justificar a saída do juiz do caso?
Cristiano Zanin – Arguimos a suspeição do juiz Sergio Moro com base em diversos atos provados que não deixam dúvida de que ele perdeu a imparcialidade para julgar o ex-Presidente Lula. Não questionamos sua capacidade ou integridade. Mas não temos dúvida de que, após cometer diversas violações às garantias fundamentais de Lula, após interceptar o nosso escritório para monitorar a defesa do ex-Presidente, após fazer 12 acusações contra Lula em documento dirigido ao STF, após consertar denúncia apresentada pelo MPF, após participar de eventos ao lado de João Doria Junior quando ele já era pré-candidato à prefeitura de São Paulo, após participar de outros eventos com políticos e pessoas que claramente rivalizam com Lula no plano pessoal ou político, após participar do lançamento do livro do jornalista Vladimir Netto que coloca Lula no centro da Lava Jato, coonestando o seu conteúdo, que, aliás, já foi vendido para a Netflix para se transformar em uma série de televisão, o juiz Sergio Moro não tem isenção para julgar Lula.
Há pelo menos dois anos, o vazamento de informações da operação Lava Jato para a grande mídia tem sido frequente. Ao mesmo tempo, que a Constituição garante a liberdade de imprensa e a publicidade dos autos ela também assegura o sigilo dos processos e a presunção da inocência. Na sua opinião, há um desequilíbrio dessas garantais no país?
Cristiano Zanin – A própria Constituição Federal deixa claro que a liberdade de imprensa não é absoluta. O vazamento de material sigiloso das investigações configura crime e deve ser punido, pois, de um lado, atrapalha a própria atividade do Estado de desvendar a conduta criminosa, e, de outro lado, expõe a imagem e a reputação de pessoas a condenações pelas manchetes dos jornais e revistas antes que elas sejam efetivamente julgadas.
A mídia brasileira tem cumprido qual papel nesse processo: de inquisidor ou de informador?
Cristiano Zanin – Operações como a Lava Jato, com vazamentos seletivos permanentes e abusos na aplicação da lei são um prato cheio para setores da imprensa. Os veículos não precisam ir atrás da notícia. Elas chegam o tempo todo já formatadas para serem divulgadas. Esses veículos acabam se aliando a agentes do Estado, transformando-os em deuses ou em protagonistas de “novela”. Isso até decidirem partir para um novo caso, ou porque o anterior perdeu o interesse da sociedade ou porque passou a representar algum risco para pessoas ou setores que gozam da proteção desses veículos.
Cristiano Zanin – Quando foi autorizada a condução coercitiva ilegal do ex-presidente Lula para levá-lo, de forma inexplicável, a um dos principais aeroportos do País, um jornalista da revista Época já mostrava ter conhecimento da decisão durante a madrugada, por meio de publicações nas redes sociais.
O corregedor nacional de Justiça, João Otávio Noronha, ministro do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que a grande mídia faz uma campanha de intimidação para forçar juízes a condenar réus em ações penais, para anteder a pressão promovida pelas manchetes. O senhor concorda?
Cristiano Zanin – Se o Ministro João Otavio Noronha, como corregedor nacional de Justiça, já detectou essa situação, não preciso dizer mais nada. Torço para que ele encontre uma solução que permita superar esse grave problema.
A denúncia apresentada pelo MPF acusa Lula de ter recebido benefícios da construtora OAS oriundos do pagamento de propina por contratos da empreiteira com a Petrobras. Os benefícios teriam sido pagos com a reforma de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) e com um contrato para o armazenamento de bens pessoais de Lula, ambos pagos pela OAS. Quais foram as provas apresentadas para sustentar essa acusação e como a defesa contesta?
Cristiano Zanin – Nenhuma prova. Só convicções. O apartamento não é do ex-Presidente Lula por uma simples razão: ele não quis comprar. Esteve uma única vez no imóvel para avaliar a compra, mas não se interessou, como é absolutamente normal. Segundo a lei, é dono quem consta no Cartório de Registro de Imóveis como tal. O nome de Lula não está no registro. Ainda segundo a lei, há presunção legal de ser proprietário aquele que consta no título registrado. O MPF não superou essa presunção legal e sequer conseguiu explicar como Lula teria recebido essa suposta propriedade. Simplesmente afirmou que ele recebeu o apartamento, sem descrever qualquer circunstância. É evidente que em uma situação normal a denúncia seria rejeitada por inépcia ou por ausência de justa causa.
A denúncia também diz: “interessam especificamente os atos de corrupção praticados em detrimento da Administração Pública Federal, no âmbito de contratos relativos a três empreendimentos da PETROBRAS: (a) obras de “ISBL da Carteira de Gasolina e UGHE HDT de instáveis da Carteira de Coque” […] (b) implantação das UHDT´s e UGH´s da Refinaria Abreu e Lima […] (c) implantação das UDA´s da Refinaria Abreu e Lima […] Nessas condutas delitivas, de um lado figuram Léo Pinheiro e Agenor Medeiros […] do Grupo OAS […] e, de outro, Lula, Renato Duque, Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa”.
Pergunto: Quais as provas apresentadas para sustentar a existência de tais vínculos e os supostos benefício recebidos por Lula? Quem tem que provar é o acusado?
Cristiano Zanin – Nenhuma. O Ministério Publico teria que fazer essa prova, vale dizer, teria que demonstrar, superando qualquer dúvida além do razoável, que eventuais valores desviados desses três contratos serviram para pagar um imóvel para Lula. Não fizeram isso e nem conseguirão fazer.
Dr. Zanin, Lula é uma pessoa conhecida mundialmente por sua representação política. Comandou o Brasil por dois mandatos que certamente entraram para a história por suas conquistas e avanços, principalmente na área social e de renda. Diante das manchetes dos jornais e das ações movidas contra o seu cliente, a população certamente deve se questionar: com tantos processos, o Lula deve ser mesmo culpado? Como advogado, qual é o argumento que o senhor apresenta para responder essa indagação?
Cristiano Zanin – É inaceitável que qualquer agente do Estado ou qualquer veículo de imprensa dispense esse tratamento a Lula ou a qualquer outro cidadão. Essa situação acaba por sepultar uma garantia fundamental: a presunção de inocência. Lula, evidentemente, não está tendo direito a um julgamento justo ou legitimo. Por isso apresentamos em julho, em favor de Lula, juntamente com um dos principais advogados do mundo no âmbito de direitos humanos, Geoffrey Robertson, o primeiro comunicado individual de um cidadão brasileiro ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. Esperamos que a ONU possa ajudar o Brasil a superar essas violações as garantais fundamentais de Lula, além de corrigir alguns aspectos da nossa legislação que contribuem para impedir um julgamento justo e isento.
Portal Vermelho
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