Leia o que está grifado em vermelho e tire suas conclusões.
A Corregedoria-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul vai investigar a conduta de um promotor de Justiça que fez uma série de acusações contra uma adolescente, vítima de abuso sexual, durante audiência de um processo contra o pai dela, acusado pelo crime. O caso ocorreu em fevereiro de 2014, na cidade de Júlio de Castilhos, na Região Central. O pedido de investigação foi feito por um desembargador da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado.
Na audiência, o promotor acusou a vítima de mentir sobre os fatos e a chamou de “criminosa”, por ter feito um aborto, procedimento realizado com autorização judicial. Um exame de DNA no feto comprovou que o bebê era do pai da menina, resultado das relações sexuais forçadas. A postura da juíza, que conduzia a audiência, também deve ser apurada.
“(…) Tu fez eu e a juíza autorizar um aborto e agora tu te arrependeu assim? Tu pode pra abrir as pernas (…) pra um cara tu tem maturidade (….) e pra assumir uma criança tu não tem?”, disse o promotor de Justiça Theodoro Alexandre da Silva Silveira.
Na ocasião, tramitava um processo contra o pai da menina, acusado de praticar abusos sexuais e de engravidá-la. Segundo a denúncia do Ministério Público, o homem, de 39 anos, cometeu os atos entre janeiro de 2011 e outubro de 2012. A vítima, à época, tinha 13 anos.
“Por diversas vezes, de modo reiterado e continuado, o denunciado manteve relações sexuais e praticou atos libidinosos com sua filha. Para tanto, convidava a menina para fazer viagens de caminhão com ele, oportunidade em que estacionava o veículo em locais ermos”, diz a denúncia do MP, de março de 2013.
Quando a gravidez foi descoberta e o caso passou a ser investigado, a vítima contou às autoridades detalhes da violência sexual. Ela obteve autorização judicial para fazer um aborto, realizado em Porto Alegre. No entanto, depois disso, ela foi ouvida novamente na Justiça, mas negou os abusos. A adolescente teria sido pressionada pela família, segundo a desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, que foi a relatora do processo.
Isso causou a irritação do promotor de Justiça. As declarações constam no documento da 7ª Câmara Criminal, obtido pelo G1.
O processo contra o pai, preso desde 2015, seguiu tramitando e ele foi condenado em maio de 2016 a 27 anos de prisão por estupro. A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça e, em agosto, a pena foi reduzida para 17 anos, e o homem segue preso.
Mas ao analisar o recurso, os desembargadores da 7ª Câmara Criminal ficaram indignados com a fala do promotor, e o caso veio à tona.
Desembargadores pedem que condutas sejam apuradas
A desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos contou que mais de um ano após o aborto, a vítima alterou a versão dos fatos, afirmando que não queria que seu pai fosse preso. Ela afirmou ter engravidado de um namorado de colégio, mas não quis fornecer o nome dele, e alegou ter acusado o pai porque tinha “muito medo que ele descobrisse a gravidez e a maltratasse”.
Porém, a magistrada ressalta que relatórios do Conselho Tutelar indicam que a vítima foi “induzida (pela família) a retratar-se”, ou seja, a negar o envolvimento do pai. “Isso lhe custou uma inaceitável humilhação em audiência, pois o promotor a tratou como se ela fosse uma criminosa, esquecendo-se que só tinha 14 anos de idade, era vítima de estupro e vivia um drama familiar intenso e estava sozinha em uma audiência”, destacou.
O desembargador José Antônio Daltoé Cezar propôs que as atuações do promotor e da juíza que conduzia a audiência, Priscila Gomes Palmeiro, sejam apuradas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) e Corregedoria-Geral da Justiça.
A Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplinar contra o promotor de Justiça. De acordo com o Conselho Nacional do MP, que está vinculado à corregedoria, a partir de agora a reclamação poderá ser arquivada ou se transformar em um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD).
Entre as possíveis penalidades ao promotor, segundo o CNMP, estão demissão ou afastamento, mas podem variar de acordo com a legislação de cada estado. Não há prazos estabelecidos para ser concluída a reclamação disciplinar.
Presidente da Fase repudia declarações
Em nota, o presidente da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) repudiou a declaração do promotor de justiça, Theodoro Alexandre da Silva Silveira, captada durante uma audiência judicial.
“Destaco que, diariamente, buscamos fazer o melhor nesta Fundação no sentido de proporcionar a ressocialização dos jovens que aqui se encontram a fim de devolvê-los à sociedade com a ampliação de seus níveis de escolaridade. Aqui todos são obrigados a estudar e, preferencialmente, realizar algum tipo de curso profissionalizante para que possam ter melhores oportunidades no mercado de trabalho.”
Contrapontos
Procurado pelo G1, o MP diz que a PGJ encaminhou o acórdão para Corregedoria-Geral do órgão, que abriu expediente, ainda sem prazos, para ouvir todas as partes envolvidas no episódio. Após, deve encaminhar o documento de volta para o Procurador-Geral de Justiça, Marcelo Dornelles. O caso é investigado no âmbito civil e criminal.
A assessoria do MP acrescentou que não dará mais detalhes sobre o caso, nem concederá entrevistas. A reportagem ainda tenta procurar o promotor para esclarecimentos.
Por meio do Tribunal de Justiça (TJ), a juíza Priscila Gomes Palmeiro, atualmente lotada na cidade gaúcha de São Borja, disse que não irá se pronunciar sobre o caso. O G1 também tentou contato com o desembargador José Antônio Daltoé Cezar através da assessoria do TJ, mas ele está em viagem.
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