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Temer promove ajuste seletivo que afeta os mais pobres e poupa aliados

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Beto Barata/PR

Por Joana Rozowykwiat

“Todos os economistas do governo Temer eram favoráveis ao ajuste fiscal, passando pelo corte de gastos, independentemente daquilo que estava acontecendo com a economia e com a própria arrecadação tributária. Pelo menos se manifestavam assim quando os cortes eram exigidos da presidenta Dilma”, lembra o economista, em entrevista ao Portal Vermelho.

Bastos defende que a realização de cortes, no momento em que a economia aproxima-se de uma forte recessão, acabaria aprofundando as dificuldades, à medida que produziria queda acentuada da arrecadação.

“Realmente não é correto fazer os cortes nesse momento. Acontece que eles tinham dito que iam fazer um ajuste muito forte e afirmavam que esse era o grande problema da Dilma (…) O problema é a hipocrisia desses que vinham criticando a realização de gastos e agora apoiam esse tipo de reavaliação do déficit orçamentário”, compara, expondo a contradição entre o discurso enquanto oposição e a prática das mesmas forças agora dentro do governo.

Orçamento a serviço do pacto pelo impeachment

O economista reconhece que, na proposta de revisão orçamentária – que indica o maior déficit da história do país – os auxiliares de Temer reajustaram algumas receitas que estavam superestimadas pela equipe de Dilma. Por outro lado, a nova previsão da meta fiscal abriu espaço para a realização de uma política anticíclica, tão criticada na gestão Dilma.

Para Bastos, contudo, a sinalização de Temer e sua equipe vai em outra direção. “Basicamente, parece que estão usando este déficit para solidificar o pacto com o conjunto dos interesses que apoiaram o impeachment”, diz o economista.

Ele cita como exemplo de benesses concedidas a setores estratégicos para o impedimento não apenas a elevação dos salários, que beneficia o Poder Judiciário e terá impacto de 58 bilhões de reais no Orçamento. Segundo Bastos, deve haver também a liberação de emendas parlamentares, a oferta de empréstimos via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a privatização de patrimônio público e a renegociação das dívidas do Estados – que, na avaliação do economista, é mesmo necessária em momentos de crise.

Austeridade só para o povo

Pelas medidas anunciadas até então pela equipe econômica de Temer, é fácil perceber: a austeridade que poupa os “amigos do rei” chegará com força a uma parcela da população – a maior parcela, diga-se de passagem. Para os que mais necessitam dos serviços públicos, vai ter corte, sim.

“É muito seletivo o tipo de corte que está sendo realizado. Está focado – e ainda mais se o impeachment for aprovado – principalmente naquilo que envolve gasto social e transferência de salários indiretos ou bens e serviços gratuitos para a população”, destaca Bastos.

“E vai se preservar gastos que passam pelos estados e municípios sem atender aos requisitos constitucionais para Educação e Saúde, por exemplo, via emendas parlamentares, e com a Desvinculação das Receitas de Estados e Municípios, a DREM, que acompanhará a Desvinculação de Receitas da União, a DRU, para o governo federal. Haverá mais liberdade para gastos nas unidades intrafederativas, o que sempre foi uma demanda dos políticos e que serve para estabelecer relação de favor político entre o Executivo e o Legislativo”, completa.

Entre as medidas propostas por Temer e Henrique Meirelles, seu ministro da Fazenda, estão as reformas previdenciária e trabalhista, desvinculação de benefícios em relação ao salário mínimo e teto para gastos primários.

O professor da Unicamp ressalta ainda esta proposta de Temer de criar uma nova regra fiscal, segundo a qual o gasto público não poderá crescer acima da inflação. Para ele, “do ponto de vista social e econômico, é extremamente ruim e talvez até impossível”.

“Não vai ter nenhum tipo de aumento real do gasto, mesmo que o PIB aumente, que a população cresça, que as necessidades e as escolhas da população se modifiquem. Essa regra vai engessar o gasto de maneira a destinar todo o futuro aumento da arrecadação para o pagamento da dívida pública”, critica.

De acordo com Bastos, foi justamente a ênfase na tentativa de cortar gastos para pagar dívida pública que, em 2014, transformou o que era estagnação em recessão. Ele menciona simulação, segundo a qual, se essa nova regra fiscal tivesse vigorado a partir de 2006, hoje o gasto em Saúde seria 36% menor. Na Educação, o Orçamento, que em 2015 foi de R$103 bilhões, teria sido de R$31 bilhões.

“Quer dizer, é para cortar inteiramente o embrião do Estado social que a gente construiu. (…) Então é, na verdade, um enorme retrocesso”, opina.

Aprofundar a agenda neoliberal

Para o economista, trata-se não da reedição, mas do aprofundamento da agenda neoliberal levada a cabo na década de 1990 no país. “O governo Fernando Henrique era muito liberal na economia, aprofundou a mercantilização em alguns serviços públicos, sem dúvida, mas não houve – fora a DRU e a questão da Previdência – um questionamento total das regras constitucionais”, disse, argumentando que a era Temer propõe ir além.

Segundo ele, a regra que fixa o teto para aumento de gastos públicos é “muito mais limitante” e envolve romper com a Constituição federal. “Porque para que o gasto cresça apenas de acordo com a inflação, significa que as várias leis que vinculam o gasto com o PIB ou com a receita corrente líquida – como é o caso da Saúde – vão sumir. Vão ter que ser cortadas. Para não falar também da Previdência Social e do abono salarial”.

Pedro Paulo Zahluth Bastos avalia que este aprofundamento da pauta neoliberal decorre de uma pressão das empresas que financiam as campanhas eleitorais para ampliar os espaços do capital na Saúde e na Educação. Ele cita que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de certa maneira, já é um passo nesse sentido.

“Há um cálculo de que o dinheiro que você utiliza para gerar uma vaga na faculdade privada via Fies é suficiente para gerar três vagas na universidade pública. Então já há um movimento nessa direção com o Fies, mas, ao mesmo tempo, você teve uma enorme expansão das universidades públicas durante o governo Lula”, pondera. A previsão de Bastos, no entanto, é que agora os grandes grupos educacionais privados tenham ainda maior influência nas decisões de governo.

Ele destaca, por exemplo, a ligação do atual ministro da Educação, Mendonça Filho, com o Ser Educacional, um dos maiores grupos privados de Educação superior do país. Maurício Costa Romão, escolhido por Mendonça para comandar a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior aparece como consultor do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau, que faz parte do grupo.

“O fato de que os grupos foram capazes de financiar campanhas políticas em larga escala está se manifestando abertamente nessa privatização de recursos públicos no governo Temer. E não duvido que eles busquem logo adiante fazer uma alteração nas regras, para permitir a volta do financiamento empresarial de campanha, não tenho dúvida”, prevê.

Maldades pós-impeachment

O economista avalia que, pelo caráter impopular das medidas, vai haver resistência às iniciativas propostas. Nesse sentido, uma estratégia do atual governo é adiar as medidas mais duras para depois da votação do impeachment.

“O cálculo deles de ampliar emendas e realizar algumas bondades miradas politicamente tem como finalidade fortalecer o movimento pró-impeachment. Agora é claro que, depois [caso o impeachment se concretize], vão vir com tudo. Se já mostram uma face horrível agora, imagina depois do impeachment!”, diz.

Sobre a possibilidade de recuperação da economia, sob o governo Temer, Bastos não se mostrou otimista. “A economia continua perdendo empregos, o crédito continua contraindo. Então acho difícil que as exportações tenham capacidade de recuperar com força a economia independentemente do que acontecer com o mercado interno. Mas vai depender muito do que forem fazer com o gasto público e com a taxa de juros”, afirma.

Segundo ele, com a aprovação do déficit de R$170 bilhões, Temer possui “um raio de manobra” para realizar políticas contracíclicas, o que Bastos acha difícil que aconteça. “O mais provável é que eles façam isso, ataquem as pessoas que mais dependem de serviços públicos – e isso tem um efeito muito ruim sobre a renda – e liberem recursos para aqueles que não precisam tanto mas que têm mais poder político para aprovar o impeachment. Então é difícil prever, mas qualquer recuperação tende a ser muito lenta”, defende.

E, caso o impeachment seja aprovado, se o programa imaginado por Meirelles for adiante, o professor da Unicamp prevê graves impactos. “Vai jogar a economia na lona ou fazer com que ela cresça muito pouco até 2018, porque não se espera uma grande recuperação da economia mundial até 2018”, encerra.

Portal Vermelho

Blog do Mamede

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