Por Helena Sthephanowitz, na RBA
No mês seguinte, em 22 de abril de 2014, o Ministério Público Federal do Paraná apresentou denúncia contra Ceará por apenas um crime: operar, sem a devida autorização, instituição financeira de câmbio, com pena prevista de um a quatro anos de reclusão. Não houve denúncia por formação de quadrilha ou organização criminosa, nem por lavagem de dinheiro.
O MPF-PR pediu ainda na denúncia o pagamento mínimo de multa de R$ 5 milhões por danos causados ao sistema financeiro e econômico. No dia seguinte, a denúncia foi aceita pelo juiz Sérgio Moro. Em seu despacho, o magistrado soltou Ceará da prisão preventiva, colocando-o em liberdade com medidas restritivas, tais como retenção do passaporte, proibição de contato com Alberto Youssef, ter de avisar ao juízo em caso de mudança de endereço etc.
Entre abril e agosto de 2014, em vez dos já rotineiros acordos de delação premiada, a defesa de Ceará negociou com o MPF-PR e conseguiu acordo para suspensão condicional do processo, ou seja, em vez de ir a julgamento, cumpriria medidas alternativas em liberdade. Isso sem ter de delatar nada. O juiz Sérgio Moro homologou o acordo em audiência do dia 4 de setembro de 2014. Em vez dos R$ 5 milhões pedidos inicialmente pelo MPF-PR, o valor ficou reduzido para R$ 100 mil, pagos em cinco parcelas mensais de R$ 20 mil, após cinco meses de carência. O acordo incluiu a liberação de bens apreendidos, sendo dois carros e quatro relógios de luxo da marca Hublot, que chegam a custar US$ 20 mil cada.
Pelo acordo – lembrando que não era de delação –, o processo de Ceará ficou suspenso e, após dois anos, se ele andar na linha, será extinto. Sem delatar ninguém.
Passados nove meses depois de livrar-se da Vara de Curitiba, sem condenação, sem ficar preso, e em silêncio sem delatar ninguém, ainda não se sabe exatamente por quais circunstâncias Ceará prestou 19 depoimentos sigilosos em Brasília entre 29 de junho e 2 de julho de 2015, em acordo de delação premiada na Procuradoria-Geral da República, em homologação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascky. Revelou que carregava dinheiro vivo a serviço Alberto Youssef para intermediários que repassariam a alguns políticos ilustres, o mais notório é o senador Aécio Neves (PSDB-MG), citado como suposto destinatário de uma propina de R$ 300 mil paga pela empreiteira UTC em 2013.
No anexo 12 da delação, Ceará conta que, por volta de setembro ou outubro de 2013, Youssef o mandou entregar R$ 300 mil no escritório da UTC no Rio de Janeiro para um diretor de nome Miranda, que estava ansioso e desabafou, travando o diálogo:
Miranda: – Rapaz, esse dinheiro estava sendo muito cobrado e tal.
Miranda: – Ceará, aqui a gente dá dinheiro pra todo mundo.
Segundo Ceará, Miranda disse que Aécio era “o mais chato para cobrar e que estava em cima dele atrás desse dinheiro“.
A delação de Ceará foi vazada e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo só no fim do ano passado, na semana em que o povo estava distraído com as festas natalinas e de ano novo. Aécio estava de férias em Miami, badalando ao lado de celebridades como o piloto Felipe Massa na casa do deputado Alexandre Baldy (PSDB-GO) – que aliás está com R$ 622 milhões de seus bens bloqueados pela Justiça em processo por improbidade administrativa. A assessoria do senador chamou de “absurda e irresponsável” a citação sem provas, ao contrário do que faz quando delações atingem petistas.
Como senador, Aécio tem foro privilegiado e só pode ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, mas o referido diretor da UTC estaria na alçada do Paraná, junto com Alberto Youssef. Não há notícias de que ele esteja submetido ao método de prisão preventiva até delação para contar o que sabe sobre transações com tucanos sem foro privilegiado.
O buraco mal explicado é porque alguns investigados só saem da cadeia em Curitiba quando delatam qualquer coisa, quase sempre com efeitos políticos que atingem a atual base governista federal, enquanto outros que tinham informações que atingem a oposição tucana foram mandados para casa em silêncio, ganhando benefícios como redução de multas, suspensão e extinção de penas?
Publicado originalmente no site Portal Vermelho
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