Por Mariana Serafini
Diferentes das ditaduras militares que assolaram os países latino-americanos entre as décadas de 60 e 90, agora a direita toma medidas mais sofisticadas para destituir do poder os governos progressistas em curso na última década. Os chamados “golpes brancos” não contam mais com o reforço das forças armadas, mas sim com manobras bem articuladas entre Judiciário, grupos econômicos e mídia hegemônica. Esta trinca é capaz de criar instabilidade política a ponto de destituir o poder vigente com um golpe de Estado sem derramamento de sangue, ou clima de guerra de civil. Foi o caso de Honduras e do Paraguai.
No entanto, são as ditaduras do século passado que nos mostram como os programas neoliberais são implementados à força pela elite, em detrimento das classes baixas. É o caso do Chile, que teve um governo popular interrompido por um golpe seguido de um dos programas neoliberais mais sólidos do continente. O mandato de Salvador Allende (Unidade Popular) durou apenas três anos, de 1970 a 1973. Neste período o presidente fortaleceu sua base popular devido aos programas sociais que elevaram de forma rápida a qualidade de vida dos mais pobres. Porém, o programa de governo que pretendia vencer etapas e chegar ao socialismo foi interrompido pelo duro golpe militar de Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.
Durante os três anos de governo de Allende, o Chile viveu um verdadeiro terrorismo econômico impulsionado pela mídia hegemônica, que criou um clima de ingovernabilidade e preparou o cenário para o golpe. Um comunicado interno da International Telephone and Telegraph, importante monopólio norte-americano de comunicação, dizia que os banqueiros não deveriam renovar os créditos, ou demorar para fazê-lo. Ao mesmo tempo que as companhias comerciais deveriam dificultar a reposição de peças e produtos básicos.
Com a crise de abastecimento, criada propositalmente pelos grandes grupos, a classe média começou a sentir a escassez e a fazer manifestações contra o governo com “panelaços” que representavam a falta de produtos básicos no comércio. Em uma etapa mais avançada rumo à ingovernabilidade, a oposição começou a cercar o governo impedindo-o de realizar nacionalizações de empresas e impondo constantes trocas de ministérios e ampliando sua influência no poder legislativo.
Com o cenário pronto para o golpe, Pinochet toma o poder e em poucos anos consegue consolidar sua agenda neoliberal aplicando uma política de choque baseada na Escola de Chicago, de Milton Friedman e George Stigler. A abertura do país ao capital estrangeiro fez com que em curto espaço de tempo a vulnerabilidade econômica atingisse níveis avassaladores, que pegaram a economia chilena desprevenida. As primeiras medidas do ditador foram fortalecer o monopólio, privatizar as empresas que já haviam sido estatizadas e entregar os bens naturais – como a mineração, o cobre e seus derivados, a madeira e a pesca – à exploração internacional.
Em pouco tempo, 2% das empresas do país controlavam mais de 70% das ações de todas as sociedades anônimas, enquanto os três bancos mais importantes conseguiram deter a metade das ações dos bancos comerciais. Por volta de 1977 o país viveu seu “milagre econômico”, como no Brasil, mais ou menos no mesmo período. Porém esta euforia passou rápido, em menos de três anos o endividamento interno e internacional do Chile o levou a ser o país com a maior dívida externa per capita do mundo.
A agenda de “modernizações” baseada na Escola de Chicago levou o Chile a privatizar a Previdência Social, a saúde, a educação, o sistema de infraestrutura e a entregar o controle de praticamente todo seu capital a grupos estrangeiros. Passadas quase quatro décadas o país ainda sente as consequências destas ações porque até os dias de hoje ainda não conseguiu se desvencilhar totalmente deste amplo processo de privatização dos anos 70 e 80. Ou seja, a educação pública ainda não é gratuita, assim como a saúde. Os pedágios nas autovias e o preço do transporte público oscilam de acordo com os horários de pico, de forma que as tarifas ficam mais altas nestes períodos. Além da constituição vigente que ainda é a implementada por Pinochet durante os anos 80.
O exemplo do Chile mostra que um golpe da direita não é movido só pelo ódio contra os mais pobres e à ascensão das classes baixas, mas sim porque há uma agenda neoliberal bem definida. No Brasil a situação é parecida, o que move o golpe da direita brasileira não é só o fato de o governo popular de Lula e Dilma ter elevado a qualidade de vida dos trabalhadores, ou o ódio ao PT e à esquerda, mas sim o interesse de implementar novamente a agenda neoliberal que já levou o país a uma série de privatizações nos anos 90 e abriu a economia nacional ao capital estrangeiro.
Portal Vermelho
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