Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual
Quando se pensa, no Brasil, sobre “o Brasil e o resto do mundo”, sobretudo aquele que teima–se em chamar de “primeiro”, corre muita falácia no meio das toneladas de tinta que escorrem destes pensamentos imperfeitos, marcados sempre por fortes emoções.
A mais óbvia delas é a de que no Brasil nada funciona, e no chamado “First World”, ao contrário, tudo funciona às mil maravilhas.
Muito antes pelo contrário! E a lista é longa, indo, por exemplo, do tratamento dispensado a idosos na vida cotidiana ao SUS. Mas há outras falácias, como, por exemplo, a do “custo Brasil”. Nesta onda, o Brasil seria o país mais caro em termos de impostos, e no topo desta lista vem o custo adicional da folha de pagamentos devido às contribuições previdenciárias, o imposto de renda y otras cositas más, em todos os sentidos deste “más”.
Com o debate sobre a terceirização vêm à tona os temas ligados à ideia de que as regulamentações sobre o trabalho são demasiadas, enquanto em países “adiantados” tudo corre lindo, leve e solto das amarras legais.
Veja-se o caso da Alemanha, onde resido.
No caso específico da terceirização, ela existe sim, e é objeto de uma luta tenaz por parte dos sindicatos de trabalhadores. Ocorre que o poder dos sindicatos de trabalhadores na Alemanha é enorme. Empresas grandes são obrigadas a manter representações de funcionários em seus conselhos administrativos. Por isso, recentemente, pela primeira vez na história, um destes representantes foi nomeado presidente do Conselho da Volkswagen: ele era o vice, e o presidente renunciou por motivos pessoais.
O IGMetall, o Sindicato dos Metalúrgicos, e a DGB, a Central Nacional, vêm lutando – com sucesso em muitos casos – para que os acordos coletivos realizados pelos sindicatos valham também para os trabalhadores terceirizados. E propostas de terceirização devem ser apresentadas perante os conselhos das empresas. A luta mais recente é a de que os terceirizados também tenham representação nestes conselhos.
Ainda assim, a luta é árdua. No confronto, os grandes sindicatos são favorecidos, pelo poder de que desfrutam. Já os pequenos sindicatos, ou os trabalhadores menos organizados sofrem mais, particularmente os imigrantes ou os de certas profissões, como a de cabeleireiro, uma das mais mal pagas do país.
Contudo, a Alemanha investe 27,5% do seu PIB no chamado “welfare”, ou “bem estar social”, por meio de uma rede legal de proteção previdenciária ao trabalhador, envolvendo desde tratamento de saúde a seguro–desemprego, passando por uma série de auxílios obrigatórios.
Acompanhe a tabela abaixo, embora seus dados tenham por referência distintos momentos de fixação, todos posteriores a 2011:
Nos anos de “austeridade” que sucederam à crise financeira de 2007/2008, diversos direitos e auxílios aos trabalhadores vêm sendo restringidos, bem como uma série de investimentos sociais, mas num nível muito menos intenso do que aquele aplicado em países como Grécia, Portugal, Espanha e Itália, ou ainda outros – sob instigação, é verdade, da própria Alemanha, acusada frequentemente do “façam o que eu digo mas não o que eu faço”. Também diminuíram os valores das aposentadorias.
Porém há outros aspectos igualmente interessantes.
O imposto de renda na Alemanha é, de fato, progressivo, indo da isenção a 45%. Este imposto, envolvendo as contribuições individuais, a taxação dos ganhos de capital e das empresas, etc. é o responsável por cerca de 40% da arrecadação de impostos no país. Em segundo lugar vem o chamado VAT, equivalente mais ou menos ao nosso ICMS, com cerca de 31%. Quando digo “cerca” em ambos os casos, quero dizer que o percentual pode vir a ser um pouco maior, conforme o ano. Depois vem o imposto sobre transações comerciais, com 7,5%, o imposto sobre consumo de energia, com 7,2%, e o imposto sobre o tabaco, com 2,6% do total da arrecadação.
Segundo a Heritage Foundation, um “Think Tank” conservador e neoliberal, com sede em Washington, a Alemanha arrecada 40% do seu PIB em taxas e impostos. A mesma fonte cita 34,4% para o Brasil, o mesmo percentual da Bulgária. Outras cifras, em percentuais: Dinamarca, 49%; Bélgica, 46,8%; França, 44,6%; Áustria, 43,4%; Itália, 42,6%; Holanda, 39,8%; Reino Unido, 39%. A média para a União Europeia é de 35,7%. A Suíça, país considerado um dos maiores paraísos fiscais do mundo devido às peculiaridades de seu sistema bancário (vide o caso HSBC) arrecada 29,4% em tributos e impostos diversos.
E não se venha com o argumento de que o Brasil é um “poço sem fundo de corrupção”, enquanto o resto do mundo – inclusive o chamado “primeiro” – é um altar de honestidade. Não é verdade. A esteira de multas aplicadas por malversações aos sistemas bancários internacionais está subindo astronomicamente.
A última, aplicada nos Estados Unidos, por acordo mediante reconhecimento de culpa, contra cinco bancos (Citigroup, JPMorgan, Chase, Barclays e o Royal Bank of Scotland), por manipulação das taxas de câmbio em compra e venda moedas em transações internacionais, ultrapassou a marca dos 5 bilhões de dólares, ou mais do que 15 bilhões de reais, mais do que três vezes o que o Ministério Público está cobrando de seis empreiteiras (OAS, Camargo Correia, Sanko, Mendes Jr., Galvão Engenharia e Engemix) em função das acusações de desvios de dinheiro e propinas no caso Petrobras, cujos montantes de desvios (ainda não confirmados) chegariam a 10 bilhões de reais.
Por tanto, ao se falar mal do Brasil (como muito turista brasileiro gosta de fazer no estrangeiro, até ex-presidente), devagar com o andor, que os santos – todos – têm pés de barro, quando não fincados diretamente na lama.
Portal Vermelho
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