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Há uma nova situação política em curso no Brasil

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O primeiro governo Dilma deu passou significativos na construção de uma nova estratégica de desenvolvimento para o país. Tomou medidas na área da política econômica que provocou urticaria no capital financeiro e seus representantes. Reside aí o motivo do incessante ataque a área econômica do governo.

Por Diogo Santos*, especial para o Vermelho

 

Presidenta Dilma Rousseff durante fotografia oficial da Cúpula do G20 / Roberto Stuckert Filho/PR

Durante a campanha eleitoral, a presidenta Dilma reafirmou seu compromisso com o emprego e a renda dos trabalhadores e não assumiu nenhum dos compromissos que o mercado financeiro tentou lhe impor. Todavia, o tema da reforma política foi ocupando o centro do palco da política brasileira, colocando na ordem do dia a premente necessidade e possibilidade de sua realização. A nova situação política exige uma trégua no front econômico e a concentração das melhores energias na realização das reformas democráticas.

Primeiro governo Dilma e o esboço de uma nova estratégia de desenvolvimento

Durante os oito anos de governo do presidente Lula o povo brasileiro, especialmente os mais pobres e os trabalhadores com baixa qualificação profissional, conquistaram políticas públicas que levaram estes setores à compreensão da dimensão transformadora das medidas adotadas. Os ganhos reais do salário mínimo, as políticas de transferência de renda, a expansão do crédito à classe trabalhadora, a política habitacional e a expansão do acesso ao ensino superior formam o coração dos avanços ocorridos de 2003 a 2010.

Sobre este alicerce e com um povo mais altivo e menos vulnerável às investidas ideológicas do bloco conservador, a presidenta Dilma deu passos adiante. Ainda que não tenhamos uma maior clareza do caminho a ser percorrido para superarmos o modelo neoliberal, – aliás, esta clareza brota do próprio embate político – medidas de alta relevância foram tomadas pelo governo.

O BNDES que vinha aumentando seus desembolsos desde a eclosão da crise econômica internacional em 2008 manteve a trajetória e bateu novo recorde em 2013, passando a reduzir os desembolsos em 2014, sem, contudo, abandonar os altos níveis. Em 2006, os desembolsos totalizaram R$ 52,3 bilhões, em 2010 foram de R$ 168,4 bilhões, chegou a R$ 190,4 bilhões em 2013, e fecharam o primeiro semestre de 2014 em R$ 84,1 bilhões1. Essa política de significativa participação do BNDES no investimento total do país é fundamental para sustentar a demanda agregada e assim diminuir os impactos da crise sobre o Brasil. Segundo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a participação do Banco na Formação Bruta de Capital Fixo em 2010 foi de 25,6% e o desembolso no mesmo ano foi de 14,6%2. Um resultado que comprova a correção da política do Banco.

Para o capital financeiro, contudo, a ação do BNDES é tratada como uma deformação. Argumentam que o BNDES retira espaço do mercado de capitais. Entretanto, o sistema bancário brasileiro tem pouca disposição de emprestar a longo prazo impedindo que projetos com maior prazo de maturação possam ser executados. Mas, o que mais incomoda o capital financeiro é que o banco público empresta com taxa de juros bem abaixo do mercado, o que lhes retira poder de pressão sobre os empresários do setor produtivo. A taxa de juros de longo prazo do BNDES, referência básica para empréstimos, está em 5% a.a. deste inicio de 2013, enquanto a Selic está atualmente em 11,25% a.a. Ademais, ao terem acesso aos empréstimos via BNDES, as empresas brasileiras também ficam menos expostas ao capital financeiro internacional.

A política de conteúdo local para as compras da Petrobras aprofundada no governo Dilma é igualmente um corajoso passo para impulsionar a indústria nacional. Segundo os dados do governo, os postos de trabalho na indústria naval saltaram de 8 mil em 2003 para 80 mil em 2014 e deve chegar a 100 mil em 2017³. Outros benefícios desta política é o estímulo à inovação tecnológica, a qualificação de mão de obra e a formação de encadeamentos produtivos novos. Para os liberais esta política é um protecionismo que retira competitividade da indústria brasileira por não ser exposta à competição internacional. Entretanto, o resulto é o inverso. O Brasil passará a competir internacionalmente em novos setores como a própria indústria naval. A experiência brasileira da década de 1990 de abertura comercial indiscriminada demonstra que o argumento liberal não se sustenta, uma vez que a indústria brasileira se enfraqueceu no período4.

O programa de regulação do mercado cambial iniciada pelo BC em meados de 2013 e ainda em vigor também toca fundo nos interesses do capital financeiro. O programa tem o objetivo de diminuir a volatilidade da taxa câmbio, o que contribui por um lado para um melhor controle da taxa de inflação e por outro favorece a previsibilidade do valor da moeda local para os exportadores. Tão importante quanto uma taxa de câmbio de “equilíbrio industrial”5, é a sua manutenção neste patamar para que o setor produtivo possa contar com o tempo necessário para responder produzindo mais para exportar. Este também é o mecanismo, dada a atual correlação de forças, que permite ao país enfrentar a guerra cambial desencadeada pelo FED.

Uma das minas de ouro exploradas pelo capital financeiro, contudo, são as operações no mercado de câmbio. Os especuladores ganham dinheiro com as flutuações das taxas de câmbio, comprando e vendendo moeda entre os países. Mesmo longe de significar um controle rigoroso do fluxo de capitais, o programa do BC afeta os interesses dos rentistas.

Outra corajosa medida em que o governo enfrentou abertamente os interesses de grandes oligopólios mundiais foi a aprovação no novo marco regulatório para a exploração do petróleo, instituindo o regime de partilha, em 2010, mas que foi efetivamente conduzido no governo da presidenta Dilma. O ponto alto da nova legislação foi o leilão do campo de Libra em 2013. O regime de partilha garantiu que no leilão do maior campo de petróleo do Brasil cerca de 80% dos recursos ficassem em poder do Brasil, incluindo Estado e Petrobras. Ainda hoje, o bloco conservador tenta reverter o marco regulatório para abrir espaço para entrada de multinacionais na exploração do pré-sal em condições mais vantajosas a estas, o que em parte explica a sistemática campanha realizada contra a Petrobras.

A criação em julho deste ano em Fortaleza do Banco de Desenvolvimento dos Brics e do Acordo Contingente de Reservas demonstra uma disposição dos países envolvidos em aprofundar seus laços e as ações conjuntas no cenário internacional. Incialmente o Banco terá um capital de 100 bilhões de dólares para projetos de investimentos em países emergentes. O Acordo Contingente de Reservas será um fundo destinado a ajudar países com dificuldades em seus Balanços de Pagamentos. A grande novidade é a formação de um polo alternativo ao FMI e ao Banco Mundial, as duas principais instituições difusoras das políticas favoráveis à livre movimentação do capital financeiro pelo globo. A consolidação deste Banco poderá significar uma alteração profunda nas relações mundiais de poder. Durante a recente reunião do G-20 na Austrália, a presidenta Dilma reafirmou a importância da iniciativa dos Brics, especialmente neste momento de receio sobre a recuperação econômica mundial.

Outras medidas adotadas pelo governo para reduzir o impacto da crise sobre o Brasil foram os pacotes de desonerações tributárias. Em primeiro lugar não é pertinente a afirmação de que as medidas fracassaram, uma vez que mesmo envolto em um furacão o Brasil conseguiu manter o desemprego em patamares historicamente baixos. Em segundo lugar, e mais importante, o motivo pelo qual o governo sofre duras críticas nesta área por parte dos conservadores é devido à diminuição do superávit primário, ou seja, diminuição da transferência de recursos da população para o setor financeiro.

Em sua primeira reunião no atual governo, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a meta da taxa básica de juros da economia, a Selic, de 10,75% a.a. para 11,25% a.a.. A Selic chegou a 12,5% em julho de 2011 e a partir daí começou uma queda histórica. A presidenta Dilma assumiu a responsabilidade política de reduzir a taxa básica de juros a níveis mais civilizados. O ciclo de queda durou até março de 2013 com a Selic em 7,5% a.a., sob fogo serrado do bloco de oposição bradando o risco de descontrole da inflação. Desde então, a Selic voltou a subir e está atualmente no mesmo patamar do início do governo Dilma, 11,25%. A reversão da tendência de queda é explicada por diversos fatores entre eles a forte pressão exercida pelo capital financeiro por meio da imprensa alinhada com seus interesses dentro e fora do país sobre o governo brasileiro. Contudo, a trajetória de redução da Selic por quase dois anos é sintomático da busca de uma estratégia de desenvolvimento com centralidade na ampliação investimento.

Em conjunto com a redução da Selic, o governo reforçou o papel dos bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica, como forma de pressionar os bancos privados a reduzirem suas tarifas e pacotes para assim baratear o crédito. O BB chegou a cortar 34% em suas tarifas e a Caixa em 25%. As “leis coercitivas da concorrência” foram utilizadas para o interesse público.

Resta citar o enorme pacote de concessão na área de logística disparado pelo governo federal. Somente o esforço de construir complexos contratos, firmar parcerias com a iniciativa privada e atrair recursos para as obras já são por si um feito louvável, após o Brasil ter passado duas décadas sem realizar projetos desta envergadura. A infraestrutura brasileira é o principal polo de demanda de investimentos na economia brasileira da atualidade. O processo de maturação destes investimentos significará a abertura de um novo ciclo de crescimento do país. Mais adiante, detalharemos as cifras envolvidas.

A realização das parcerias via concessão reforça por sua vez que o Estado brasileiro não está subserviente aos interesses do capital privado. Na concessão não há transferência de propriedade de ativos públicos para o capital privado, não há, portanto concentração de riqueza realizada pelas mãos do Estado. Tentar justificar que há um processo de avanço do mercado sobre as sociedades desde meados da década de 1970, chamado neoliberalismo, e que, portanto, qualquer parceria entre Estado e iniciativa privada é privatização, é ficar preso a dogmas que em nada contribuem para a gigantesca tarefa de desenvolvimento que os países emergentes precisam realizar para se firmarem como nações soberanas6.

O quadro pintado acima buscar demonstrar que em matéria de enfrentamento ao capital financeiro e aos oligopólios internacionais do petróleo; na defesa dos interesses nacionais; na construção de uma contra hegemonia na geopolítica mundial; e na busca por um caminho de fortalecimento do investimento e da Indústria nacional, o primeiro governo Dilma foi, sem a menor sombra de dúvidas, um governo corajoso. Hoje estamos mais perto de uma estratégia de desenvolvimento autenticamente nacional.

Não é por menos que um dos principais jornalistas econômicos do país, em sintonia com o pensamento neoliberal, afirmou que o governo Dilma rompeu o consenso em vigor a quase trinta anos de como conduzir a economia brasileira. Ele diz que:

“…sob Dilma, o governo fez intervenções no sistema de preços, acabou com a autonomia do BC, abandonou a disciplina fiscal, administrou o câmbio, ergueu barreiras à entrada de capitais, aumentou o grau de proteção da economia, interveio na gestão de empresas privadas, tolerou inflação alta, reduziu juros na marra (para depois ter que aumentá-los a um nível maior que o encontrado em 2011), impôs política de conteúdo nacional etc.”7

Como se vê, o governo da presidenta Dilma incomodou profundamente os crentes no Mercado como Deus Ex Machina.

A campanha presidencial, contudo, trouxe musculatura para outros temas, notadamente a reforma política e a democratização dos meios de comunicação. É preciso, portanto, tirar lições da nova conjuntura política que emergiu nestas eleições e em seguida buscar compreender qual é a relação entre as novas batalhas que se apresentam e as batalhas na área econômica.

Notas

¹ Portal do BNDES: Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Relacao_Com_Investidores/Desempenho/#desembolso

² ROMERO, Cristiano. “Cabe ao governo eleito pelo povo fixar as prioridades”. Valor Econômico, São Paulo, 10 out, 2014. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3743488/cabe-ao-governo-eleito-pelo-povo-fixar-prioridades

³ PERES, Bruno. Em jornais, Dilma reitera política de conteúdo nacional para Petrobras. Valor Econômico. Brasília, 22 abr, 2014. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3522660/em-jornais-dilma-reitera-politica-de-conteudo-nacional-para-petrobras

4 KUPFER, David. A Industria brasileira após 10 anos de liberalização econômica. IE/UFRJ. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/gic/pdfs/a_industria_brasileira_apos_10_anos_de_liberalizacao_comercial.pdf

5 Ver por exemplo: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Taxa de câmbio, doença holandesa, e industrialização. In: Cadernos FGV Projetos, 5 (14) 2010: 68‐73. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2010/10.19.C%C3%A2mbio_doen%C3%A7a_holandesa-FGVProjetos-mudada.pdf

6 KLIASS, Paulo. Privatização e Concessão: sutilezas de uma falsa polêmica. Carta Maior. 23 set, 2012. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Privatizacao-e-concessao-sutilezas-de-uma-falsa-polemica/26724

7 ROMERO, Cristiano. Dilma rompe consenso. Valor Econômico. 22 out, 2014. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3743506/dilma-rompe-consenso

*Diogo Santos é secretário de Juventude – PCdoB Minas

 

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