Candidato do PSTU diz que o Brasil está avançando “na luta da esquerda socialista”
16/09/2014
Por Bruno Pavan
Pela quarta vez, Zé Maria de Almeida é o candidato do PSTU à presidência da República. Em épocas em que todos os tipos de fé parecem tomar conta das campanhas, Zé professa a sua: “Minha fé é na luta dos trabalhasdores e na sua força pra mudar o mundo, mais nada”.
Zé Maria, que também é presidente nacional do partido, começou sua vida nas greves dos anos de 1970 e 1980; fez parte do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André; foi membro da CUT e um dos fundadores do PT – partido em que militou até o início da década de 1990.
Por não concordar com os rumos que o PT havia tomado, fundou, em 1994, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU): “O que você viu em 2002 foi uma conclusão de um processo que começou ainda na década de 1980”.
Na primeira de uma série de entrevistas que o Brasil de Fato fará com os presidenciáveis do campo da esquerda, Zé Maria conta como o PSTU vê o processo democrático no país e afirma que as mudanças que o partido propõe para o Brasil “são mais simples do que se pensa”.
Brasil de Fato – O que seria um regime ideal para ser implantado no Brasil, de acordo com o PSTU hoje?
Zé Maria – Defendemos outra forma de organização da sociedade, que seja igualitária, justa e que não haja violência contra o povo. Essas são mudanças profundas, mas são mais simples do que se pensa. Temos que suspender o repasse de recursos públicos para os bancos e grandes empresas e acabar com a propriedade privada no país. Mais de 40% do orçamento federal vai para os bancos. Parar o pagamento dessa dívida interna e externa. Se tomarmos os dados do Banco Central, do Ministério da Fazenda e do Tesouro Nacional e somarmos tudo que entra no Brasil de recursos externos e tudo que sai; a conclusão é que sai mais dinheiro do que entra. Se pararmos de pagar essa dívida e, em função disso, acontecer uma ruptura e não entrar mais nenhum tostão aqui, mas também não deixarmos sair, vai sobrar mais dinheiro. Veja também os privilégios das grandes empresas. As montadoras de veículos receberam do governo brasileiro quase R$ 30 bilhões de subsídios fiscais nos últimos 10 anos. Mandaram pra fora do país mais de 10 bilhões de dólares e no primeiro sinal de queda de venda de carro, são 25 mil funcionários ameaçados de perder seu emprego. Chegam a milhares as demissões no setor de autopeças. Por último, é preciso que criemos outras instituições para que se governe e haja uma democracia efetiva no país. Para nós, o socialismo pressupõe também democracia, liberdade e controle por parte dos trabalhadores. Não defendemos que o governo seja de um partido. Eu tenho muito orgulho do PSTU, mas ele nunca vai representar o conjunto, ele sempre vai representar uma parte e quem tem que governar o conjunto são instituições que representem o conjunto.
O debate econômico nas três principais candidaturas está alicerçado sob o tripé macroeconômico e a autonomia do Banco Central. Como o PSTU vê essas questões?
O problema dessa discussão é que ela é retórica. O que existe é uma discussão entre dar uma autonomia formal ao Banco Central, mas a situação atual é o BC também controlado pelo sistema financeiro. O governo federal não realiza nenhuma política que contraria efetivamente os interesses dos bancos. Baixaram-se os juros no começo do governo Dilma, já subiu de novo. Se há uma dependência ou independência formal do Banco Central é pura figura de retórica.
O PSTU é a favor de um imposto pras grandes fortunas?
Não basta aumentar imposto sobre as grandes fortunas, é preciso acabar com as grandes fortunas, porque ninguém a acumulou com seu próprio trabalho. Na medida em que estatizamos as grandes empresas e o sistema financeiro, eu retiro as grandes fortunas da mão de seus proprietários. Se você for discutir a estrutura tributária adotada no país, ela tem que mudar, mas isso é uma medida transitória, enquanto não houver a abolição da grande propriedade no país. Os lucros dos patrões têm que voltar para a sociedade.
Como você vê a presença de Marina Silva nessas eleições?
Não acreditamos que a resposta de um governo dos trabalhadores venha através da Marina. Ela se apresenta como o novo, que não tem nada a ver com essa bandalheira, mas tem afirmado que quer governar com todo mundo, com banqueiro, empresário e com os trabalhadores e é exatamente isso que o PT fez. Além disso, foi na gestão dela no Ministério do Meio Ambiente que se liberou a floresta Amazônica para o arrendamento pra madeireiras estrangeiras e os transgênicos. Por último, os técnicos que montaram o programa econômico da Marina são todos do PSDB. Ela tem grandes empresas do seu lado, como a Natura e o Itaú.
No final da década de 1990 houve o início de uma ascensão da esquerda no poder em todos os países da América do Sul. Em 1999, Hugo Chávez conseguiu apoio popular para lançar um regime de refundação da Venezuela, com uma nova Constituição e mudanças estruturais. O Lula em 2002 não conseguiu esse apoio e teve que firmar pactos com a elite. Qual o motivo dessas diferenças em países tão próximos?
É preciso relativizar o que aconteceu na Venezuela, Bolívia e Equador. A Venezuela vive uma crise social imensa, não há alimentação para o povo. Essa crise ocorre porque apesar da retórica do Chávez e dos atritos que ele tem com o imperialismo, ele não mudou a estrutura econômica do país. Não há uma ruptura com a estrutura capitalista de sociedade e de governo. A manutenção da propriedade privada na Venezuela é o que faz com que um país rico viva uma situação daquela, o povo está sem acesso a alimentos. Os empresários controlam a economia do país até hoje. No Brasil qual é o problema? O Lula precisaria fazer os acordos que fez pra governar? Não, eu acho que o PT fez uma escolha errada, mas não é de agora. Na década de 1980, tínhamos uma mobilização imensa e o PT era amplamente hegemônico no segmento da classe trabalhadora que estava em luta. Se naquele momento o partido escolhesse fortalecer o processo de mobilização e de luta pra forçar uma mudança na estrutura econômica no país, nós teríamos hoje um Brasil completamente diferente. Mas ele escolheu buscar acordos com o grande empresariado para tentar ganhar as eleições. A eleição não é o único caminho pra mudar o país. A Rede Globo mostra todos os dias no Jornal Nacional três candidaturas, a Dilma, a Marina e o Aécio, mas são 11 candidaturas. É dessa forma, com financiamento milionário de um lado e com a utilização da mídia, de outro, que o grande empresariado constrói o resultado das eleições.
Os governos Dilma e Lula promoveram uma aproximação do Brasil com os países da América do Sul e isso é motivo de críticas da direita nacional. Por outro lado, são várias as acusações de que o Brasil é imperialista contra seus vizinhos. Como você vê essa relação? É a favor da construção do porto de Mariel, em Cuba, por exemplo?
O Brasil voltou um pouco mais sua diplomacia para a América Latina. O problema é: com que interesses? Achamos que a aproximação foi em função dos interesses dos grupos econômicos que controlam a economia do Brasil. O governo foi um menino de recado, foi um instrumento para ampliar os negócios das grandes empresas pelo mundo. A Petrobras na Bolívia faz as mesmas coisas que as montadoras de veículos fazem com o trabalhador brasileiro. Sobre o porto de Mariel, eu não sei qual a importância desta obra para o povo de Cuba, eu tenho medo de que este porto seja mais importante para as empresas que querem comercializar com Cuba. Eu veria com muito mais bons olhos se o governo brasileiro se dispusesse a financiar programas sociais em Cuba, que está sofrendo sérios problemas. O governo de Fidel Castro, ao invés de expandir a revolução para a América Central, manteve a revolução em Cuba e deu no que deu. Hoje, boa parte dos setores econômicos de Cuba já são explorados por multinacionais, por empresas privadas; isso vai fazer com que o povo de Cuba volte a ser escravo do grande capital como nós somos.
Sobre as grandes obras que acontecem no Brasil, transposição do rio São Francisco e hidrelétricas de Belo Monte e Santo Antônio, qual a sua opinião?
Essas obras não fazem sentido. A transposição do São Francisco vai atender as grandes empresas que exportam frutas no Nordeste, o povo vai ficar na mesma situação. Em vez de uma obra que está custando os tubos, era necessário fazer milhares de pequenas obras de cisternas que permitissem ao povo aproveitar a água da chuva, que é periódica. Se ele conseguir armazenar essa água, ele vai ter seu problema resolvido. Temos que desenvolver através das universidades, da Embrapa e das empresas públicas, projetos e atividades econômicas que sejam adequadas para aquele tipo de terra, de solo, de clima. As grandes hidrelétricas no Norte do país têm dois problemas fundamentais: afeta de uma forma inaceitável o meio ambiente e estão muito longe de onde se consome mais energia elétrica no país. Ao invés dessas grandes obras, deveríamos construir centenas de pequenas hidrelétricas, causando um prejuízo muito menor para a natureza, mas produzindo mais energia e mais próxima dos grandes centros consumidores e investir em fontes alternativas.
Sobre direitos humanos, qual a sua posição sobre aborto, legalização das drogas e Polícia Militar?
Somos a favor da legalização do aborto. A mulher tem o direito de exercer a soberania sobre seu corpo. Se por alguma circunstância ela ficou grávida e não pode ou não quer manter a gravidez, o Estado tem a obrigação de assegurar o direito dela de fazê-lo. É errada a política atual de combate às drogas baseada na violência, na repressão policial, na penalização. Ao criminalizar a droga, o Estado dá ao crime organizado o monopólio do comércio dela no país, isso significa um poder econômico imenso ao crime organizado, que ele usa para corromper a polícia, as autoridades. Achamos que tem de legalizar as drogas, mas regular a distribuição com um monopólio do Estado no fornecimento, com acompanhamento médico e apoio psicológico. É preciso acabar com a PM. Ela é uma criação da ditadura, que é formada até hoje da mesma forma. Temos que ter uma polícia única, em que os chefes sejam eleitos pela comunidade e que seja controlada por ela também. Hoje, a polícia serve para ser segurança dos interesses de quem tem, de quem controla a sociedade, e agride trabalhador em greve, os jovens que estão protestando nas ruas e barbariza a vida do povo pobre na periferia.
Mesmo depois de 12 anos do PT no poder, a esquerda brasileira não conseguiu criar uma alternativa real para disputar a eleição e pautar assuntos necessários para o país. Qual o motivo disso?
A força da esquerda socialista não pode ser medida só pelas eleições, o resultado dela se dá de forma muito deformada, tanto pelo poder econômico quanto pela interferência da mídia. Honestamente eu te diria que está avançando a força da esquerda socialista no país naquilo que é fundamental: na luta dos trabalhadores. Há um processo de radicalização das greves que passaram por cima dos sindicatos por todo o Brasil. É através da luta que vamos mudar o país. Nós estamos disputando votos e quanto mais votos tivermos, mais fortalece a nossa luta, mas nós não nos pautamos por esses critérios para definir o avanço da esquerda socialista. Nós tivemos reuniões com o PSOL e firmamos acordos estaduais com eles. No âmbito federal, tivemos uma reunião em que apresentamos as nossas propostas de colocar as eleições em função da luta do povo e nos disseram de volta que não poderiam ficar defendendo essas posições radicais demais porque dificulta a disputa do voto. Além disso, o PSOL pegou R$ 50 mil do grupo Zaffari, que é a quinta maior rede de supermercados do país, com mais de 9 mil funcionários e um faturamento de quase R$ 5 bilhões, para as campanhas da Luciana Genro e do Robertinho no Rio Grande do Sul. Uma coligação nesses moldes seria apostar na tragédia que foi o PT. Com o PCB, já foi outra a razão; eles optaram por lançar uma candidatura porque é um partido que tem pouca presença no movimento social e precisava de representação, o que, na minha opinião, é legítimo, eles têm esse direito e eu não vou questionar.
Publicado originalmente no site Brasil de Fato