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Bashar al-Assad em entrevista ao Clarín: Renunciar seria fugir

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Em entrevista ao jornal argentino El Clarín desta quinta-feira (19), o presidente sírio Bashar al-Assad reafirma que não vai deixar o cargo apesar de toda a pressão externa e do conflito que atravessa o país desde março de 2011.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Clarín: Por que a crise na Síria estendeu-se e se aprofundou mais do que em qualquer outro país árabe?
Presidente Bashar al-Assad: Muitos elementos internos e externos contribuíram para a crise, o mais importante dos quais é a intervenção externa adversa; daí que, porque os cálculos dos países que intervieram na Síria eram cálculos errados, a crise se prolongou. Aqueles estados acreditavam que o plano deles teria sucesso em semanas ou meses, o que não aconteceu. Aconteceu que o povo sírio resistiu e continuamos resistindo. Estamos defendendo nosso país.

O senhor sabe que, segundo a ONU, essa guerra já fez mais de 70 mil mortos?
Seria preciso conhecer as fontes dos que plantam esses números. Todas as mortes são horríveis, mas muitos dos que morreram em território sírio são mercenários que vieram para matar sírios. Tampouco se pode esquecer que há muitos sírios desaparecidos. Qual o número de sírios mortos e de mercenários estrangeiros mortos? Quantos desaparecidos? Não se conhece ainda o número exato. E esse número muda muito, porque os terroristas matam e às vezes enterram suas vítimas em covas coletivas.

O senhor descarta que pode ter havido uso de força excessiva, desproporcional, pelos seus soldados da repressão?
Como é que alguém pode saber se a força foi excessiva ou não? Qual é a fórmula. Nada disso é informação objetiva. Cada um responde conforme o tipo de terrorismo que o ataca. No início, o terrorismo era local. Em seguida começou o terrorismo que vinha de fora, e esses terroristas traziam armamento sofisticado. O que se deve discutir não é o volume de força empregada ou o tipo de armas, mas o volume do terrorismo que se organizou contra a Síria e que a Síria teve de combater.

No início da crise não teria sido possível um diálogo que evitasse esse desenlace?
As demandas iniciais eram reformistas, embora essa fosse apenas uma fachada, uma camuflagem, para dar a um plano, que já havia, um aspecto de reivindicação reformista. Mas fizemos as reformas. Mudamos a Constituição, leis, o estado de emergência foi anulado e anunciamos um diálogo com as forças da oposição. E a cada passo das reformas, aumentava o terrorismo. A pergunta lógica que se tem de fazer é: que relação há entre os terroristas e os reformistas?

O que o senhor responde?
Terrorismo não pode ser o caminho para reformas. Que relação pode haver entre um terrorista tchetcheno e as reformas na Síria? Que relação pode haver entre um terrorista vindo do Iraque, do Líbano ou do Afeganistão e as reformas na Síria. Levantamento recente nos mostrou que há mercenários de 29 nacionalidades em combate na Síria. Que relação pode haver entre todos eles e as nossas reformas na Síria? Não faz sentido algum. Quanto a nós, nós fizemos reformas e agora também temos uma iniciativa política para o diálogo. A base para qualquer solução política tem de ser o desejo do povo da Síria. Isso só se pode conhecer nas urnas. Não se conhece outra forma. E quanto ao terrorismo, ninguém deseja negociar com terroristas. O terrorismo feriu os EUA e a Europa. E nenhum governo dialogou com terroristas. O diálogo só é possível entre forças políticas, não com grupos terroristas, que degola, mata, usa gases venenosos.

O senhor denuncia presença de mercenários estrangeiros na Síria, mas sabe-se que aqui também há combatentes do Hezbolá e do Irã.
Síria tem 23 milhões de habitantes e não precisa de mais gente para ajudar, venha de onde vier. Para nossa segurança, temos exército e forças especiais. Não precisamos do Irã e do Hezbolá para nos defender. Há aqui, sim especialistas do Hezbolá e do Irã, mas não estão em combate e já estavam aqui antes do início dessa crise.

Entre aquelas reformas da Constituição de que o senhor falou, considera-se garantir irrestrita liberdade de imprensa?

O senhor talvez não saiba que, entre várias novas leis já vigentes, há uma nova lei de imprensa.

No…
Nós partimos do conceito de que o primeiro passo tem de ser dialogar com as forças políticas. Desse diálogo viria uma Carta Magna a ser submetida a referendo popular. Essa Constituição garantirá maiores liberdades em geral. Depois dela e baseadas nela virão novas leis e é previsível que visem a garantir liberdades políticas e mediáticas. Mas não se pode falar de liberdade de imprensa, onde não haja liberdades políticas em geral.

Como o senhor avalia a conferência sobre Síria planejada para fins de setembro, por Rússia e EUA?
Recebemos bem a reaproximação de Rússia e EUA, e esperamos que o encontro internacional ajude os sírios. Mas não acreditamos que muitos países ocidentais desejem uma solução efetiva na Síria. Não acreditamos que muitas das forças que apoiam os terroristas desejem alguma solução. Apoiamos a gestão que russos e norte-americanos estão fazendo, mas temos de ser realistas. Na Síria não funcionará solução unilateral. Precisamos reunir, no mínimo, dois lados claros, para dialogar.

Quem não quer solução? As forças que se opõem ao seu governo ou as grandes potências?
Na prática, os que se opõem ao nosso governo estão vinculados a países de fora e não têm capacidade para tomar decisões próprias. Vivem do que recebem de fora e fazem o que são mandados fazer pelos países que os sustentam, recebem fundos e fazem o que aqueles países decidam. São praticamente a mesma coisa e são os que já disseram que não querem dialogar com o estado sírio. Disseram várias vezes. A última, foi semana passada.

Quando o senhor fala em diálogo, pensa em dialogar com quem, do outro lado?
Já declaramos que dialogaremos com qualquer um que queira dialogar, sem exceção. Dialogaremos em todos os casos e circunstâncias em que esteja respeitada a capacidade livre e soberana da Síria para decidir. Mas isso não inclui grupos terroristas. Nenhum estado do mundo jamais dialogou com terroristas. Desde que os grupos armados deponham armas e sentem-se para dialogar, dialogaremos com todos. Supor que alguma conferência política conseguirá conter o terrorismo é irrealismo.

Que possibilidade há de que o diálogo inclua essas forças externas, como os EUA, por exemplo, que supostamente estariam apoiando os terroristas?
Desde o início, sempre dissemos que dialogamos com qualquer país e com qualquer grupo, desde que não sejam grupos ou países armados. É nossa única condição. Exceto essa condição, não há outras. Entre os grupos armados que há na Síria há bandidos condenados, procurados pela Justiça. E nem esses grupos foram excluídos do diálogo, sob a única condição que deponham as armas. Entendemos que temos de ouvir todos os sírios. O povo sírio decidirá quem luta por ele e quem luta contra ele. Nunca dissemos que só aceitaríamos solução que convenha ao governo. Nunca sequer dissemos o que o governo supõe que seja melhor para a Síria. Nós realmente entregamos a solução ao povo sírio.

Com relação à conferência internacional…
Para nós, a questão básica de que deverá tratar qualquer conferência internacional é deter o fluxo de dinheiro e de armas para a Síria e deter o envio de terroristas que vêm da Turquia, financiados pelo estado qatari e outros estados do Golfo, como a Arábia Saudita. Enquanto esses países, que não têm interesse em pôr fim à violência na Síria, nem têm interesse em encontrar solução política, o terrorismo continuará.

Onde o senhor coloca Israel nessa crise?
Israel apoia diretamente e por duas vias os grupos terroristas, dá-lhes apoio logístico e os informa sobre como e quais locais atacar. Por exemplo, atacaram uma estação do sistema de defesa antiaérea que detecta qualquer avião que venha de fora, especialmente de Israel.

Caso o diálogo avance, o senhor prevê um cronograma para que a oposição entregue as armas?

Eles não são uma só entidade, são grupos e bandos, não são dezenas, mas centenas. São misturados, cada grupo tem um cabeça local. São milhares. Quem consegue unir milhares de pessoas? A pergunta é essa. Não se pode falar de cronograma, se se trata também de um outro lado que não sabemos quem seja. Quando tiverem alguma estrutura unificada, poderemos responder sobre cronogramas.

O senhor estaria disposto a dar um passo atrás, para uma solução definitiva? O senhor está disposto a renunciar?
Minha permanência ou não depende do povo sírio. Não é decisão que caiba a mim, se ficou ou se parto. Cabe ao povo sírio. Se quiserem, fica-se, se não quiserem que se fique, parte-se. Depende da Constituição e das urnas. Nas eleições de 2014, o povo decidirá.

Foi sugerida a alternativa de que o senhor se demita, como condição para o fim do conflito.

Sou presidente eleito e só o povo decidirá sobre minha permanência. Não se admite que alguém diga que o presidente da Síria tem de sair porque os EUA desejam que saia, ou porque os terroristas dizem que seria condição imposta por eles. É inadmissível.

Barack Obama deu sinais de que não considera intervir no seu país. Mas o chanceler norte-americano, John Kerry, disse que qualquer avanço teria de incluir sua saída do cargo.
Não tenho conhecimento de que Kerry ou outro receberam mandato do povo sírio para falar em nome do povo sírio sobre quem fica ou quem sai. Já disse que qualquer decisão sobre reformas na Síria ou ação política são decisões sírias, e não se permite que EUA nem qualquer outro estado intervenha nessas decisões. Somos Estado independente, não aceitamos que outros definam o que teríamos de fazer, nem os EUA nem ninguém. Os sírios votarão nos candidatos que se apresentarem e todos podem vencer ou perder. Será decidido pelo povo sírio. Não é possível ir àquela conferência supondo que ali se decidirá algo que o povo sírio ainda não decidiu.

E há outro aspecto: o país está em crise e, com o barco em meio a uma tormenta, renunciar é fugir. O presidente não pode fugir, como o capitão de um navio. Tem o dever de devolver o barco ao ponto onde tem de estar e então as coisas poderão ser decididas. Não sou pessoa que fuja à responsabilidade.

França, Reino Unido e o próprio Kerry denunciaram que o exército usou armas químicas, gás sarín, contra população civil…
Não precisamos perder nosso tempo com essas declarações. Armas químicas são armas de destruição massiva. Dizem que nós as teríamos usados em áreas residenciais. Se uma bomba nuclear fosse lançada sobre uma cidade e houvesse dez ou vinte mortos, alguém acreditaria? Se se tivessem usado armas químicas em zona residenciais, haveria milhares, dezenas de milhares de mortos em minutos. Todos sabem disso. Quem poderia ocultar tal coisa?

Então, a que o senhor atribui essa denúncia?
O tema das armas químicas entrou em circulação quando terroristas as utilizaram em Alepo, em Khan al-Assal, há cerca de dois meses. Recolhemos as provas, o míssil usado e as substâncias químicas. Analisamos tudo e enviamos carta ao Conselho de Segurança para que enviassem missão de investigação. EUA, França e Reino Unido viram-se em situação embaraçosa e disseram que queriam enviar missão para investigar a existência de armas químicas em outras áreas, onde alegam que teriam sido usadas. Fizeram isso, para não investigar o ponto onde se produziu o fato real, que já comprovamos. Um membro dessa comissão, Carla del Ponte, disse que os terroristas eram os responsáveis. Mas nem a ONU prestou atenção ao que ela declarou.

O senhor acredita que a denúncia poderia abrir caminho para uma intervenção militar na Síria?
Se for usado como pretexto para guerra contra a Síria, sim, é provável. Ninguém esqueceu o que aconteceu no Iraque. Onde estavam as armas de destruição em massa de Saddam Hussein? O ocidente mente e falsifica, para produzir guerras, é costumeiro. Mas nenhuma guerra contra a Síria será fácil, não será um passeio. Mas, não, não se pode descartar a possibilidade de que iniciem uma guerra contra a Síria.

Em que o senhor se baseia?

Já aconteceu, de parte de Israel, já houve ataques. É possibilidade presente, especialmente depois que conseguimos golpear os grupos terroristas em muitas zonas da Síria. Então outros países, que você citou encomendaram ataques a Israel, contra a Síria, para elevar a moral dos grupos terroristas. Nós supomos que, em algum momento, se produzirá algum tipo de tentativa de intervenção, mesmo que seja limitada.

O senhor disse que controlam a situação, mas enquanto falamos ouvem-se estrondos de artilharia na periferia da cidade.

Eu não disse que controlamos a situação, porque a palavra “controlar” ou “não controlar” não se usa quando se está em guerra com exército estrangeiro. A situação é totalmente diferente. Os terroristas entram em zonas dispersas e fogem de um ponto para outro. Há vastas zonas nas quais se movimentam e nenhum exército do mundo conseguiria estar em todos os pontos.

O senhor realmente acredita que os EUA cooperam com Catar ou Arábia Saudita, para pôr no poder na Síria um regime ultra islâmico wahabista?
O ocidente não se preocupa com governos, sejam quais forem, desde que lhes sejam leais. Querem aqui um governo servil que faça o que eles mandem, seja que governo for. Mas o que se vê no Afeganistão comprova que nem sempre dá certo. Esses países apoiaram os Talibã e pagaram por isso um preço altíssimo. O perigo de tudo isso é que os estados wahabitas querem difundir o pensamento extremista. Na Síria temos um Islã moderado e resistiremos contra o projeto de destruir a Síria, por todos os meios.

Nas eleições presidenciais de 2014 haverá observadores internacionais e a imprensa terá livre acesso para cobrir o evento?

Para ser sincero, não sei. O tema dos observadores internacionais ainda terá de ser decidido, porque parte da população síria não tolera a ideia de monitoramento, que não se faz em outros países do mundo, e implica uma questão de soberania nacional. E não confiamos no ocidente para essa tarefa. Se aceitarmos a presença de observadores, serão de países amigos, como Rússia ou China, por exemplo.

China?
… [por que não?!]

Na entrevista que o senhor concedeu ao Clarín em Buenos Aires, o senhor disse com firmeza que rechaçava a ideia de negar o Holocausto. Ainda mantém essa posição?
Perdoe-me, mas por que falar de Holocausto e não falar do que acontece na Palestina? Ou do 1,5 milhão de iraquianos assassinados? O Holocausto é tema histórico, que exige visão ampla e não pode ser usado como assunto político. Não sou historiador para determinar a verdade desse tema. As questões históricas variam conforme quem escreva a história. Por isso a história às vezes é falseada.

Desculpe, mas há alguma autocrítica que o senhor se faça a si mesmo?

Não há sentido algum em autocríticas antes de as coisas estarem feitas, com sucesso ou sem. Se se assiste a um filme, é tolice criticar antes da última cena. Quando o quadro estiver completo, então saberei o que criticar e o que não criticar.

Finalmente, o senhor tem alguma informação sobre o paradeiro dos jornalistas James Foley, norte-americano desaparecido aqui há seis meses, e do italiano Domenico Quirico, do italiano La Stampa, perdido há cerca de um mês aproximadamente? 
Alguns jornalistas entraram ilegalmente na Síria, pelas áreas onde os terroristas estão ativos. Houve casos em que nossos soldados conseguiram libertar alguns jornalistas que haviam sido sequestrados por terroristas. Seja como for, sempre que temos informação sobre jornalistas, mesmo que tenham entrado clandestinamente em território sírio, nós transmitimos a informação ao país dele. Até o presente, não há qualquer informação sobre os dois jornalistas que o senhor citou.

Fonte: Rede Castorphoto. Traduzido pelo coletivo Vila Vudu

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