Reprodução de cena do desenho ‘Mogli, o Menino Lobo’, da Disney, em que os personagens refletem ‘colé a jogada’
Quem teve estômago forte para ver as manchetes dos principais jornalões, e o entusiasmo incontido de alguns de seus colunistas e chargistas, percebeu a dose de satisfação diante da morte de Eduardo Campos – ante a possibilidade de mudanças no cenário eleitoral.
As candidaturas de oposição estavam estagnadas nas pesquisas eleitorais. A chance de a eleição ser resolvida no primeiro turno crescia, com a entrada do horário eleitoral na TV, já que a coligação em torno da presidenta Dilma Rousseff dispõe de maior presença na TV. A possibilidade da entrada de Marina Silva na corrida presidencial causou excitação nas redações alinhadas à oposição, por surgir como um fato novo que pode causar alterações no cenário eleitoral.
Com a tragédia da morte do terceiro colocado, Marina desponta como candidata natural da coligação liderada pelo PSB, mas há resistências internas. Campos representava expectativa de poder para o PSB e de crescimento do partido. Se não vencesse em 2014, se projetaria como nome forte para 2018. Marina representa outro projeto, de seu próprio partido, a Rede Sustentabilidade. O PSB de protagonista na coligação vira coadjuvante.
Sob esse ponto de vista, a candidatura deixa de ser tão natural assim. Se Marina perder, o PSB corre o risco de sair da eleição menor do que entrou. Mesmo se ganhar, não comandará o governo, ficando no papel de base de apoio que já exerceu nos governos Lula e Dilma. Romper com o governo Dilma para lançar candidatura própria tinha uma lógica. Para apoiar outra candidatura de terceiros, há pessebistas que perguntam se não seria trocar seis por meia dúzia. Há dois caminhos a escolher: lançar Marina Silva ou escolher outra liderança fiel ao projeto do PSB para fortalecer o partido, demarcando posições.
Enquanto o PSB não se define, até por respeito ao tempo de render homenagens Campos, a mídia tradicional deflagrou campanha aberta por Marina Silva.
A Folha de S.Paulo estampa em manchete principal de primeira página que “Família de Campos quer candidatura de Marina”. De fato, o irmão do ex-candidato, Antônio Campos, escreveu uma carta aberta, defendendo essa posição pessoal e como membro do PSB. Mas é questionável se, entre dezenas de declarações, a família gostaria de ser retratada como articulando candidatura antes mesmo do reconhecimento do corpo, como mostrou na manchete. Certamente, se consultada, preferiria uma manchete que homenageasse o legado e qualidades pessoais de Campos.
Mas nenhum jornal superou a O Globo, pela exploração política da morte e pelo mau gosto. Na manchete principal procura incitar seus leitores com uma interpretação deturpada e venenosa. Diz “PT pressiona para rachar PSB de Eduardo Campos”. No subtítulo diz que “Lula e Dilma ligaram para presidente do partido, ligado a petistas”. Não há nada no texto da notícia que indica ter havido qualquer tipo de pressão, a não ser a livre imaginação de quem escreveu.
Telefonemas entre pessoas, seja para condolências, seja para colocar-se à disposição, seja para simplesmente conversar com quem tenha afinidades em momentos de perplexidade, são normais, e nos meios políticos não é diferente. A própria Marina Silva deve ter feito seus telefonemas. Certamente o candidato Aécio Neves (PSDB), também fez telefonemas a lideranças do PSB com quem tem afinidades; Geraldo Alckmin deve ter conversado com seu vice do PSB, e nem por isso caberia uma manchete “PSDB pressiona…” O que não é normal é um jornal que deveria ser sério e fiel aos fatos fazer coisas que só marqueteiros fazem em campanhas eleitorais quando apelam para a baixaria.
Mas O Globo não parou na manchete. Se esmerou também no mau gosto da charge da capa. Colocou Marina Silva com olhos azuis (a cor dos olhos de Campos), soltando lágrimas que atingem Aécio e Dilma assustados, com o título “E de repente, olho azul é a cor mais quente para candidato a presidente!” Sem graça, de mau gosto, inconveniente, fora de hora e panfletária.
Desde que a mídia tradicional adotou o exercício da atividade política em paralelo ao jornalismo, tornou-se mais pragmática do que as chamadas raposas políticas dos partidos. Colunistas e editores mandam às favas o escrúpulo e colocam em prática com inédito imediatismo o ditado popular “Rei morto, rei posto”. As raposas políticas têm mais compostura.
Publicado originalmente no Blog da Helena
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