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CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GOIÁS[1]

Gabriel de Melo Neto[2]

A qualidade de vida de uma sociedade está diretamente relacionada a distribuição de renda e esta ao nível de escolaridade da mesma. Assim, quanto maior for o sucesso educacional, melhor será a distribuição de riquezas. Neste debate, o desenvolvimento tecnológico e científico é uma questão central, uma vez que não faz parte do cenário internacional contemporâneo, países com baixos investimentos em ciência e educação, serem capazes de garantir para as suas populações ensino de qualidade e consequentemente boas condições socioeconômicas, mesmo que sejam grandes economias agroexportadoras e/ou de produtos minerais, como é o caso do Brasil.

Diante de tal paradigma, ao analisar a situação do estado de Goiás é possível constatar inquestionáveis contradições que indicam uma postura na qual o discurso oficial, destoa da efetiva prática administrativa através de políticas públicas que de fato materializem um cenário de significativo investimento e estímulo em ciência e tecnologia. Questão que se evidencia diante do panorama sofrível de centros tecnológicos no território goiano, da carência de investimentos em recursos humanos e infraestrutura, além das deficiências nas instalações existentes e da desvalorização dos profissionais, comprovada através dos baixos salários e na precariedade das condições de trabalho.

A vocação agropecuária do estado é alardeada como um mantra que ecoa ao longo das décadas, propalado por diferentes inquilinos do Palácio das Esmeraldas e por seus parceiros que privilegiam uma economia agroexportadora, de extração mineral e semi-industrial, similar a prática da Divisão Internacional do Trabalho dos tempos coloniais. Goiás perde assim, a oportunidade de agregar valor a sua vasta produção através da industrialização, com investimento em parques tecnológicos, aumentado por consequência, as cifras das negociações, a arrecadação de impostos, melhorias dos serviços públicos e uma melhor distribuição de renda, com a oferta de empregos que exigem maior escolaridade e melhores salários.

Goiás possui riquezas naturais invejáveis, com jazidas de minérios importantes como o cobiçado nióbio de Catalão e Ouvidor, sem ignorar a apatita e o fosfato, além do cobre de Alto Horizonte, o níquel de Niquelândia, Barro Alto e Americano do Brasil, o ouro de Crixás, entre outros, e da grande produtividade agropecuária que garante ao estado o terceiro maior rebanho bovino e a quarta posição na produção de grãos entre as 27 unidades da federação, representando apenas 3,2 % da população brasileira e 3,99% do território do país, segundo informações do IBGE.

No entanto, a venda desses produtos segue majoritariamente na contramão da agregação de valores por meio da industrialização, são milhões perdidos pela coletividade goiana, em um modelo que faz fortunas individuais ao custo do trabalho de milhares de pessoas, com o esgotamento de reservas minerais, de solos, rios, vegetações e o comprometimento da qualidade de vida. Situação constada ao verificar-se de um lado as empresas da produção de proteína animal, agrícola e mineral que ocupam confortáveis posições no cenário internacional atendendo grandes mercados e com elevados lucros, e do outro a devastação do Cerrado e os baixos salários pagos aos trabalhadores rurais, das usinas sucroalcooleiras, minerações e agroindústrias.

Nas últimas décadas os discursos oficiais informam um grande processo de industrialização no estado, diante da instalação de empresas montadoras, distribuidoras, usinas sucroalcooleiras e a ampliação do beneficiamento de produtos minerais e agropecuários, no entanto, constituem-se quase que absolutamente, em meros processos caracterizados como semi-industrialização, montagens e/ou melhorias logísticas. Empreendimentos que em sua maioria, são tributários da renúncia fiscal entre outras condições ofertadas para a instalação de empresas que não geram tecnologias, mas apenas montam mercadorias com máquinas, peças e insumos de diferentes locais – muitos importados – produzidas enquanto vigorarem os benéficos estatais, ao fim dos quais, mudam de lugar em busca de melhores condições para ampliar o lucro, indiferente ao desemprego entre outros problemas relacionados a esta prática.

O Japão, a Coreia do Sul, Alemanha, França entre outros, são considerados países desenvolvidos, não simplesmente por possuírem grandes lavouras, rebanhos e/ou depósitos minerais importantes, ou por serem simples territórios de montagem de máquinas, mas devido ao desenvolvimento tecnológico de ponta, simbolizado pelos Tecnopolos, como é o caso do “Vale do Silício” nos EUA, berço de importantes máquinas, marcas e tecnologias que fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. Nesse sentido, o polo farmoquímico de Anápolis com a presença de inúmeras indústrias farmacêuticas e químicas, constituindo um grande parque industrial é o que mais se aproxima de uma estrutura tecnológica dos centros de referencia internacional em Goiás. Modelo que precisa ser aperfeiçoado, fortalecido e replicado pelo território goiano, em sintonia com as potencialidades locais, dentro de uma relação de sustentabilidade socioambiental que distribua renda e garanta qualidade de vida para toda sociedade.

É importante mencionar que as instituições federais ao logo dos anos tem contribuído para uma importante produção de conhecimentos científicos e tecnológicos, como a Universidade Federal de Goiás (UFG), os Institutos Federais, de Goiás (IFG) e o Goiano (IF Goiano), sem ignorar as iniciativas privadas relacionadas ao Sistema ‘S’, todas tendo como foco principal a formação profissional, além das importantes experiências agropecuárias da EMBRAPA. Instituições que precisam ser fortalecidas tanto na área de ensino, quanto no desenvolvimento de pesquisas e extensões que garantam a democratização da educação, ciências e tecnologias.

Em relação as iniciativas da administração pública estadual, as mesmas são questionáveis, como é o caso do Programa Goiano de Parques Tecnológicos (PGTec) lançado em 2011, mas que de fato completou a sua regulamentação legal, apenas no ano corrente, através da Lei Estadual 18.440 sancionada em 8 de abril, além da criação do Instituto Tecnológico do Estado de Goiás (ITEGO) e dos Colégios Tecnológicos (COTECs) conforme Lei Complementar 109 datada do dia 23/04/2014, sendo estes, projetos recentes e com resultados incipientes. Sobre as instituições que já existem há mais tempo, como a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e os Centros de Educação Profissional (CEPs), ambas ligadas a SECTEC (Secretária de Ciências e Tecnologia do Estado de Goiás), as mesmas sofrem as consequências da carência de investimentos, com problemas de infraestrutura e a presença de profissionais em regime de trabalho precarizado e com baixos salários, entre outros entraves.

Para que se tenha uma leitura atual da realidade das políticas públicas para ciência e tecnologia nas terras goianas, basta realizar uma simples análise dos recentes processos de contração de centenas de profissionais para trabalhar nos CEPs/SECTEC. No último edital, por exemplo, foram selecionadas 283 pessoas sem concurso público, entre professores, servidores administrativos e de serviços gerais, com a oferta de salários que variam de R$ 724,00 à R$ 1.308,44, para jornadas de 40 horas semanais, sem a garantia de estabilidade, plano de carreira ou ascensão profissional dentro da instituição. Situação precária e em desacordo com a Lei Federal 11.378 que estabelece o Piso Salarial Nacional para professores que em 2014 é de R$ 1.697,00 e muito distante da remuneração dos docentes dos Institutos e Universidades Federais que recebem em início de carreira entre 3 e 9 mil reais, dependendo do regime de trabalho e dos títulos de formação. Valores que também são insuficientes para atrair, valorizar e garantir a permanência de professores/pesquisadores/cientistas, situação que justifica o atual descontentamento dessa categoria, demonstrado em diferentes manifestações em todo país.

Será que o pagamento de R$ 1.308,44 por 40 horas de trabalho semanal, para professores licenciados e bacharéis, químicos, físicos, biólogos, geógrafos, engenheiros, médicos veterinários, contadores, administradores, entre outros profissionais, graduados, mestres ou doutores, é a forma mais inteligente de investir em Ciência, Tecnologia e Inovação no estado de Goiás?


[1] Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã em 25 de junho de 2014.

[2] Professor, Mestre em Geografia pela UFG/Catalão, Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) Seção Catalão.

Blog do Mamede

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